Jandira, 01 de dezembro de 2023

XXXII MEDITAÇÃO

O QUE É O SER HUMANO? EM BUSCA DA FRATERNIDADE

Queridos irmãos e irmãs, a paz esteja convosco. Iniciamos o mês de dezembro, em vista

da conclusão de nossas atividades pedagógicas e encerramento do ano letivo. Foram

inúmeros os desafios, mas imensas as realizações, com a graça de Deus e o empenho de

todos. Estou convicto de que é somente juntos que somos capazes de vencer os desafios

do tempo presente, tão marcado pelo individualismo, pela competitividade e

desintegração das relações. O ser humano, segundo a nossa fé foi criado para a

fraternidade, embora testemunhemos ao longo da história tantas situações de divisões e

de conflitos. Todavia, isso não deve nos fazer esquecer do projeto inicial de Deus. Por isso

compartilho essa reflexão, desejando a todos um abençoado fim de semana e excelente

reta final do ano letivo, com a paz de Deus. Um fraterno abraço!

***

Pela primeira vez na História a humanidade é hoje compelida a sair da lógica da guerra e

do depauperamento incondicionado do ambiente. Parece que pode começar uma

inversão da tendência com a assunção da consciência de que desta maneira não se pode

seguir por diante, sob pena de destruir a humanidade a provocar a desolação do planeta.

São significativos, a propósito, os títulos de alguns ensaios filosóficos e sociológicos que

apelam à humanização da modernidade, da política, da sociedade…. Perante as crises

globais que se abateram sobre nós, como a pandemia, as crises econômicas, as guerras

nas fronteiras da Europa e do Mediterrâneo, como afirmar um humanismo que seja um

objetivo almejado com convicção pelas várias humanidades que fazem parte de um

tecido da vida, da comunidade global?

É por isso que a pergunta séria e urgente que devemos colocar-nos é: «O que é o

humano?». Pergunta na verdade antiga, que significativamente reencontramos no início

e no fim dos salmos: «O que é o Homem?».

Devemos refazer-nos estas perguntas sobretudo hoje, porque o humano está esmagado

entre o inumano e o pós-humano.

Conhecemos bem o inumano como possibilidade de depredação e negação do próprio

humano: quando o ser humano é reduzido a coisa, quanto é humilhado e reduzido ao

nada, distorcido pelo ódio e pela violência dos massacres e dos genocídios, desconhecido

nos migrantes que apenas invocam compaixão, o inumano reina e nega o rosto à pessoa,

nega a sua vida.

E é sempre permanente a necessidade de discernir o desumano também na nossa vida

quotidiana, nas relações pessoais entre familiares e conviventes, nas situações em que

falta a palavra apropriada, o respeito que sabe reconhecer o outro, a mansidão que pode

assegurar a paciência recíproca. Bernanos escrevia: «A barbárie aninha-se nas fronteiras

das nações como nas casas mais humildes».

E, todavia, hoje o humano está também desconfiado do pós-humano, ou seja, esse novo

estádio evolutivo da humanidade no qual o cruzamento entre biologia e tecnologia está

cada mais omnipresente. Deveremos alimentar muita inquietação perante estas novas

oportunidades que poderão chegar a negar o corpo para o substituir com estruturas

artificiais munidas de elementos de inteligência humana.

Pessoalmente nutro uma tal confiança na humanidade que não acredito que seja possível

essa deriva e continuo convicto de que mais uma vez o “homo sapiens” saberá responder

de maneira vital à pergunta que só ele sabe colocar-se: o que é o Homem? Porque há na

humanidade um selo que pode ser pisado e negado, mas que é indestrutível e jaz como

indestrutível na sua profundidade: a fraternidade. Ela tem a força de emergir assim como

a terra, depois da água, do fogo, do vento, deixa despontar a erva e retomar a vida.

(Enzo Bianchi)

***

“Caríssimos, vamos recordar a obrigação que temos de fazer o bem e edificar o próximo

com o exemplo, com a conduta, com o discurso, com o comportamento e até mesmo com

o tom da nossa voz; devemos fazer assim devido ao grau a que aspiramos, pela vida que

levamos e pelas graças recebidas. Que os nossos propósitos, então, não permaneçam

estéreis e infrutíferos, e com a nossa indiferença não ponhamos obstáculos para os

desígnios da misericórdia de Deus. Que Jesus, Maria e José nos protejam e guardem hoje

e sempre.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli

Jandira, 17 de novembro de 2023

XXXI MEDITAÇÃO

O MISTÉRIO DOS TALENTOS

A paz esteja convosco! Ao concluirmos mais uma semana, com a graça de Deus,

gostaria de partilhar essa reflexão sobre o valor da fraternidade e da caridade.

Estamos vivendo tempos sombrios, onde a intolerância, o desamor, culminando

em diversas expressões bélicas se assomam em várias partes do mundo. A paz é

uma construção artesanal, exige atitudes cotidianas, sutis, mas constantes. Que

sejamos instrumentos da paz do Senhor onde nós estivermos. Deus abençoe

grandemente.

***

“A parábola dos talentos (Mateus 25, 14-30) é hoje, a meu ver, perigosa: esta

parábola não é uma exaltação, um aplauso à eficiência, não é uma apologia de

quem sabe ganhar lucros, não é um hino à meritocracia, mas é uma verdadeira e

autêntica contestação em relação ao cristão que muitas vezes é morno, sem

iniciativa, satisfeito por aquilo que faz, receoso operante a mudança exigida pelos

novos desafios ou pelas alteradas condições culturais da sociedade.

A parábola não confirma nem o ‘ativismo’ em que caem muitas comunidades

cristãs que não sabem ler a esterilidade de todo o seu esforço, mas pede à

comunidade cristã consciência, responsabilidade, laboriosidade, audácia e

sobretudo criatividade. Não é a quantidade do fazer, das obras, nem o ganhar

prosélitos que tornam cristã uma comunidade, mas a sua obediência à Palavra do

Senhor que a impulsiona para novas fronteiras, para novas praias, estradas não

percorridas, ao longo das quais a bússola que orienta o caminho é apenas o

Evangelho, unido ao grito dos homens e das mulheres de hoje quando balbuciam:

«Queremos ver Jesus!» (João 12, 21).

Leiamos então com inteligência esta parábola, cuja perspectiva, repito-o, não é

econômica nem financeira; não é um convite ao ativismo, mas à vigilância que

permanece na expectativa, não satisfeita com o presente, mas totalmente

direcionada para a vinda do Senhor.

Para além da imagem dos talentos, o que é este dom, em definitivo? Segundo

Ireneu de Lyon é a vida concedida por Deus a cada pessoa. A vida é um dom que

não deve absolutamente ser desperdiçado, ignorado ou dissipado. Infelizmente,

temos de o constatar, para alguns a vida não tem valor algum: não a vivem, antes

desperdiçam-na e estragam-na ao ponto de fazer dela um estranho enjoo (cf.

Konstantinos Kavafis), e assim se deixam viver.

Porém só se vive uma vez, e fazê-lo com consciência e responsabilidade é decisivo

para salvar uma vida ou perdê-la. De acordo com outros padres orientais, os

talentos são as palavras do Senhor confiadas aos discípulos para que as guardem,

decerto, mas sobretudo para que as tornem frutuosas na sua vida, as ponham em

prática até as semear copiosamente na terra que é o mundo. De novo é questão

de vida, de «escolher a vida» (cf. Deuteronômio 30, 19).

«Após muito tempo» – alusão à demora da parusia, da vinda gloriosa do Senhor

(cf. Mateus 24, 48; 25, 5) – «o proprietário regressa e pede contas da confiança

por ele colocada nos seus servos, os quais devem mostrara a sua capacidade de

ser responsáveis, isto é, capazes de responder à confiança recebida. Eis, portanto,

que todos se apresentam diante dele.

Aquele que tinha recebido cinco talentos mostrou-se trabalhador,

empreendedor, capaz de arriscar, empenhou-se a fim de que os dons recebidos

não fossem diminuídos, desperdiçados ou inutilizados; por isso, quando entrega

ao proprietário dez talentos, recebe dele o elogio: «Bem, servo bom e fiel (…)

entra na alegria do teu Senhor». Acontece o mesmo para o segundo servo,

também ele capaz de duplicar os talentos recebidos. Para estes dois servos a

recompensa é proporcionalmente igual, ainda que as somas confiadas tenham

sido diferentes, porque ambos agiram segundo as suas capacidades.

Vem por fim aquele que tinha recebido um só talento, e ao estender as mãos

manifesta o pensamento que o paralisou: «Desde quando me deste o talento, eu

sabia que és um homem duro, exigente, que faz aquilo que quer, e recolhes

também onde não semeias». Com estas palavras («pelas tuas palavras te julgo»,

lê-se no texto paralelo de Lucas 19, 22), o servo confessa que fabricou uma

imagem distorcida do senhor, uma imagem plasmada pelo seu medo e pela sua

incapacidade de ter confiança no outro: ele considera o proprietário como

alguém que lhe mete medo, que pede uma escrupulosa observância daquilo que

ordena, que age de maneira arbitrária. Tendo esta imagem em si, optou por não

correr riscos: colocou em segurança, debaixo da terra, o dinheiro recebido, e

agora restitui-o tal e qual. Assim devolve ao dono aquilo que é seu e não rouba,

não peca…

Mas eis que o senhor se encoleriza e lhe responde: “És um servo malvado e

preguiçoso. Malvado porque obedeceste à imagem perversa que fizeste do

senhor, e assim viveste uma relação de amor servil, de amor ‘restringido’. Por

causa disso foste preguiçoso, não foste de confiança, não tiveste nem o coração

nem a capacidade de trabalhar segundo a confiança que te concedi. Nem sequer

fizeste o esforço de meter o talento no banco, onde teria dado fruto, dando-me

juros. Não cuidaste do meu bem a ti confiado”.

Sim, sabemo-lo: é mais fácil enterrar os dons que Deus nos deu, em vez de os

partilhar; é mais fácil conservar as posições, os tesouros do passado, do que ir

descobrir novos; é mais fácil desconfiar do outro que nos fez o bem em vez de

responder conscientemente, na liberdade e por amor. Eis assim o louvor por

quem arrisca e a culpabilidade de quem se contenta com aquilo que tem,

enclausurando-se no seu “eu mínimo”. Este servo não fez o mal; ainda pior, não

fez nada! Por isso, diante de Deus, no dia do juízo, comparecerão dois gêneros de

pessoa: quem recebeu e fez frutificar o dom; quem o recebeu e não fez nada.

Ouso por isso propor esta conclusão “apócrifa”: vem o terceiro servo, a quem o

proprietário tinha confiado um só talento, e diz-lhe: “Senhor, eu ganhei um só

talento, duplicando o que me deste, mas durante a viagem perdi todo o dinheiro.

Sei, todavia, que tu és bom e compreendes a minha desgraça. Não te trago nada,

mas sei que és misericordioso”. E o proprietário, para quem mais do que o

dinheiro importava que aquele servo tivesse uma imagem verdadeira de si, disse￾lhe: “Bem, servo bom e fiel, ainda que nada tenhas, entra também na alegria do

teu senhor, porque confiaste em mim”.

Mesmo desta maneira, a parábola seria boa notícia!

(Enzo Bianchi)

***

“Permaneçam unidos ao Senhor e não se cansem de esperar; aceitem de bom

coração tudo aquilo que virá; permaneçam em paz na dor, e na hora da

humilhação conservem a paciência: porque o ouro e a prata são purificados no

fogo, mas os Homens que Deus quer receber no número dos seus, Ele os prova

no cadinho da humilhação e da dor. Portanto, tenham confiança em Deus; Ele irá

defendê-las de todos os males. Esperem nele, mantenham o temor por Ele,

vigilem no seu amor.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 10 de novembro de 2023

XXX MEDITAÇÃO

O VALOR DA FRATERNIDADE E DA CARIDADE

A paz esteja convosco! Ao concluirmos mais uma semana, com a graça de Deus,

gostaria de partilhar essa reflexão sobre o valor da fraternidade e da caridade.

Estamos vivendo tempos sombrios, onde a intolerância, o desamor, culminando

em diversas expressões bélicas se assomam em várias partes do mundo. A paz é

uma construção artesanal, exige atitudes cotidianas, sutis, mas constantes. Que

sejamos instrumentos da paz do Senhor onde nós estivermos. Deus abençoe

grandemente.

***

“Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne

humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com

a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos

irmãos.(…) Este é o novo sonho de fraternidade e amizade social” que o papa

Francisco invoca com a sua encíclica Fratelli tutti (Todos irmãos). É o sonho de um

verdadeiro encontro com o Evangelho, encontro que exige hoje uma descoberta

apropriada do valor da fraternidade universal a compreender como um outro

rosto do amor. A lógica da fraternidade é lógica evangélica por excelência. A

fraternidade representa hoje uma das palavras que melhor podem apontar a

direção, pode ser num tempo de perda do humano, de desorientação, de

incerteza do viver, um traço fundamental para o compromisso político dos crentes

e não só. E a política ou redescobre o significado autêntico da fraternidade ou está

distante do Evangelho.

Fraternidade não é, todavia, uma palavra mágica, um resultado mecanicamente

alcançável, mas um dado de base que se torna tarefa, resultado de ações e opções

de vida. Com efeito, a fraternidade deriva de se ser homem e mulher, filho e filha

do mesmo Pai; está ligada a uma humanidade comum que pode ser reconhecida

como tal a partir das fés religiosas e também para além delas. Neste sentido, a

fraternidade se torna compromisso, um dado que se torna tarefa. O dado de se

ser irmão e irmã, o dado da humanidade comum, tem em si toda a potencialidade

positiva do humano, a sua capacidade de conjugar unidade e diversidade, de

pensar-se e de ser uma só família. Mas este dado não diz nada que esteja

adquirido, está suspenso por vivências relacionais ajustadas, está vinculado ao

esforço de buscar a fraternidade e de continuar a buscá-la.

A fraternidade aparece muitas vezes ferida ou negada: os conflitos, nos seus

aspectos mais dramáticos e problemáticos, afligem muitas vezes as famílias,

atravessam os Estados, opõem os povos entre eles, põem em crise a própria ideia

de humanidade. É por isso que o ser irmão e irmã é uma tarefa, um compromisso,

uma possibilidade do humano que está confiada à responsabilidade.

No seu desenvolvimento e na sua realização possível, a fraternidade vem das

pessoas; precisa de ser suscitada e cultivadas pelas pessoas e nas pessoas. Aqui

reside simultaneamente a sua força e a sua fraqueza, aqui estão a oportunidade

e ao mesmo tempo os perigos desta noção, que tantas vezes foi usada e

instrumentalizada. Não basta falar de fraternidade, invocar-lhe o valor. É preciso

reconhecer que, como escreve Edgar Morin, ‘há a fraternidade fechada e há a

fraternidade aberta’. Isto coloca-nos interrogações radicais que ajudam a

perceber o significado autêntico da ideia de fraternidade.

Esta linha que o Evangelho traça com eloquência na narrativa do bom samaritano

tem uma condição essencial de possibilidade: tomar as rédeas da fragilidade. A

mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor

para toda a humanidade. O Evangelho diz-nos, antes, que é possível outra

perspectiva e que a indiferença não é o único caminho, diz-nos que as inimizades

podem ser vencidas e que é possível cuidarmos uns dos outros.

O Evangelho atesta um estilo, um modo de ser e de viver as relações, uma chave

de compreensão do humano e das relações que lhe tornam possível o

desenvolvimento, e isto através de histórias exemplares de vida, e não mediante

indicações abstratas ou temas teóricos.

Há uma universalidade do amor que é, vendo bem, a outra face da universalidade

da política. Nesta perspectiva contam, em igual medida, apesar de não serem

comparáveis, quer os gestos concretos, únicos e irrepetíveis, relativos a pessoas

concretas, as experiências concretas de fraternidade, quer as ações políticas de

grande alcance voltadas para a transformação da realidade e capazes de se

configurarem de maneira estável e duradoura. As experiências específicas de

bem, de atenção e de compromisso por quem sofre podem ser veículo para uma

mentalidade nova e para um compromisso sem fronteiras.

(Franco Miano)

***

“’Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com

toda a tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a ti mesmo!’

Assim diz Jesus Cristo no seu Evangelho. E num outro lugar dizia aos seus

Apóstolos, e por meio deles a todos nós: ‘Amai-vos uns aos outros, assim como eu

vos amei’. Mas não pensem que a caridade consista apenas em fazer grandes

coisas e, assim, passem a negligenciar os pequenos atos desta virtude que são tão

necessários e frequentes, especialmente nas comunidades religiosas, pois

formam – pode-se dizer – a felicidade, como formam a paz e a concórdia das

famílias. Através da caridade, o homem ama e está unido a Deus, e Nele e por Ele

ama o seu próximo como a si mesmo.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 27 de outubro de 2023

XXIX MEDITAÇÃO

“NÃO ESTÁS SOZINHO”

Caríssimos, irmãos e irmãs! A paz esteja convosco. Ao concluirmos mais uma semana, gostaria

de compartilhar uma reflexão que li nesta semana e que me fez refletir sobre a importância

da fé na certeza de que não caminhamos sozinhos em nossas jornadas. Nesta semana foi

publicado um livro intitulado Non sei solo. Sfide, risposte, speranze (“Não estás sozinho.

Desafios, respostas, esperanças”), contendo uma entrevista na qual o Papa Francisco dialoga

com os jornalistas argentinos Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin. Compartilho convosco um

excerto extraído do capítulo 9, intitulado “A capacidade de abraçar”. Um abençoado final de

semana a todos!

***

No seu país recebia muitas pessoas e escutava-as pacientemente… Nunca temeu que o

exercício do pontificado o impedisse de continuar a fazê-lo?

É-me espontâneo. Não é um mérito, mas uma graça de Deus. Quando me perguntam como

me defino, respondo «um padre». É a minha vocação. Como bispo de Roma visito as

paróquias, entro em contacto com as pessoas e, para ser sincero, é uma coisa de que gosto

muito. Obviamente continuo a confessar. Nas audiências gerais as pessoas dão-me a mão,

abraçam-me e alguns resumem-me em poucas palavras uma determinada situação que estão

a viver. Antes dos dois sínodos sobre a família, por exemplo, alguns contavam-me que tinham

formado um novo casal, que estavam juntos há muito tempo e estavam a educar felizmente

os seus filhos, mas que lhes pesava não poder receber a Comunhão, e manifestavam-me o seu

desejo de o poder fazer. Procuro sempre ser muito compreensivo. Que todos se sintam

incluídos. Porque a Igreja deve abrir as portas, e não fechá-las. Há até casos de pessoas que,

quando passo na praça de S. Pedro, confessam os seus pecados e eu dou-lhes a absolvição. A

proximidade com as pessoas faz-me muito bem.

Nunca se sente só? É vítima da chamada “solidão do poder”?

Nunca me senti só. Diria que, pelo contrário, tenho demasiada companhia. É verdade que

tenho de procurar esforçar-me para discernir entre aqueles que vêm ao meu encontro devido

a uma motivação justa e aqueles que, ao invés, ocultam um qualquer interesse. Fico sozinho

quando tenho de tomar decisões que não se podem delegar. Mas também é verdade que se

são complicadas consulto os meus colaboradores. Mas quando é preciso assinar, sou eu que

o devo fazer… As coisas que me cabem, faço-as em primeira pessoa e dou a cara… Mas a

solidão do poder é outra coisa, e eu não sou vítima dela porque tenho a possibilidade de falar

com muitas pessoas boas. Posso contar com muitos amigos.

***

“Façam todas as coisas como se tivessem Deus diante dos seus olhos… Nunca ouçam aqueles

que falam mal dos outros, e muito menos sejam vocês a fazerem isso… Quando estiverem

alegres, que sua alegria seja doce, edificante… Não pensem nas imperfeições dos outros, mas

apenas nas virtudes… Fujam da excentricidade o mais que puderem. Distanciem o coração das

coisas do mundo; procurem Deus e vocês hão de encontrá-lo. Nunca façam comparações entre

as pessoas, as comparações são odiosas… Não repreendam quando estiverem com raiva, mas

esperem para fazê-lo quando estiverem calmas.” (Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 20 de outubro de 2023

XXVIII Meditação

A Deus o que é de Deus

Caríssimos, a paz esteja convosco! Ao concluirmos mais uma semana,

partilho esta reflexão que li nesses dias, na qual me fez refletir sobre algo

que acredito ser muito importante: qual o espaço que reservamos a Deus

em meio ao turbilhão de nossas ações? Embora seja uma pergunta difícil,

acredito que ela seja uma âncora capaz de nos permitir refletir sobre a

centralidade de nossa vida. Desejo a todos um abençoado final de semana.

Um fraterno abraço.

***

“(…) Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: “Porque me tentais,

hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo”. Eles apresentaram-Lhe um

denário e Jesus perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”. Eles

responderam: “De César”. Disse-lhes Jesus: «Então, restituí a César o que é

de César e a Deus o que é de Deus» (De Mateus 22, 15-21).

Temos sempre necessidade de pertencer a alguém. Somos todos como a

moeda romana que mostravam a Jesus: “Divo Tiberio”, «sou do divino

Tibério, filho de Augusto». E eu, a quem pertenço? Talvez às coisas, aos

poderes fortes, ao pensamento dominante, ou aos meus sonhos, aos meus

laços vitais, ao amor que experimento e que, assegura-me a Bíblia (cf. 1 João

4, 16), é «Deus que ama em mim»?

Os amigos do Império ligados a Herodes e os independentistas do

sinédrio colocam a Jesus uma daquelas perguntas cortantes que agitam as

audiências e dividem os espetadores: Mestre, Tu que és livre e dizes as coisas

como são, que relação tens com César, com o poder?

A resposta de Jesus é afiada: como lhe é habitual, diante de perguntas

maliciosas ou capciosas, conduz os ouvintes a um outro plano,

surpreendendo-os com uma dupla mudança de perspectiva.

Primeira mudança: substitui o verbo “pagar” por “restituir”: restituí a

César o que é de César. Um imperativo forte, que envolve muito mais do que

qualquer moeda, que dá uma alma nova às relações: restituí o muito

recebido, devolvei, olhai para a fonte. Viver é restituir vida, que vem antes

de nós e continua para além de nós. Vivemos para restituir amor a quem

com amor nos fez e nos faz viver. Como a respiração: acolhe e restitui, não

a podes deter, é puro dom. «Recebei-me, dai-me, dando-me obter-me-ás de

novo», escreve o antigo livro “Rig Veda”.

Segunda mudança de perspectiva: Jesus faz entrar em jogo a sua visão

e a sua força profética, cortando claramente o laço entre as duas palavras

incisas na moeda: divino Tibério. César não é Deus, Tibério não é divino.

Restituí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.

Neste ponto Jesus detém-se, não se substitui a nós, não nos isenta da

responsabilidade de usar a nossa inteligência para avaliar, escolher, decidir

o que é de César e o que é de Deus. Restituí a Deus o que é de Deus: de Deus

é a Terra e quanto ela contém (cf. Deuteronômio 10, 14). Também César

pertence a Deus. Cada pessoa traz incisa a inscrição profética: eu sou do

Senhor. (cf. Isaías 44, 5).

Cada pessoa tem uma pequena moeda de ouro com, em alto-relevo,

a imagem e a semelhança com Deus, encimada por uma dedicação sagrada:

“Sou de Deus”. Cada pessoa é um talento enviado ao mundo, para dar fruto

e depois restituir ao bem comum. Mas não em perda: «Dando-me, obter￾me-ás de novo».

Assim se entra no circuito do dom que Jesus instaura, em vez da posse.

Não a acumulação, mas a restituição; não as portas blindadas a proteger os

meus haveres, mas a sua circulação nas artérias do mundo. O ser humano

vive de vida doada. Primeiro recebida e depois restituída.”

(Ermes Ronchi)

***

“’Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma,

com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a

ti mesmo!’. Assim diz Jesus Cristo no seu Evangelho. E num outro lugar dizia

aos seus Apóstolos, e por meio deles a todos nós: ‘Amai-vos uns aos outros,

assim como eu vos amei’. Mas não pensem que a caridade consista apenas

em fazer grandes coisas e, assim, passem a negligenciar os pequenos atos

desta virtude que são tão necessários e frequentes, especialmente nas

comunidades religiosas, pois formam – pode-se dizer – a felicidade, como

formam a paz e a concórdia das famílias. Através da caridade, o ser humano

ama e está unido a Deus, e Nele e por Ele ama o seu próximo como a si

mesmo.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 29 de setembro de 2023

Meditação XXVII

Rezar de olhos abertos

“Como se aprende a rezar? Há pessoas que para rezar baixam os olhos,

escondem nas mãos o rosto, voltam-se para o interior. E a oração configura￾se como uma imersão, um mergulho semelhante à imagem oferecida pelo

pequeno poema de Matsuo Bashô: ‘Silêncio / Uma rã mergulha / Dentro de si.’

A oração é uma pedra que se afunda no interior vasto a que acedemos. Há

outras pessoas, porém, que abrem esforçadamente os olhos ao rezar, que

finalmente os abrem numa tentativa de olhar a vida no seu flagrante espanto,

no seu rasgão dilacerante e no seu prazer vivo. Quer umas, quer outras estão

certas. Todas as formas de rezar são insuficientes. Todas são eficazes. A arte

de rezar é a arte de ser, apenas isso. O essencial é que a oração não seja um

mero dizer, mas um dizer-se, e um dizer-se confiado. Mesmo que usemos uma

oração vocal, o que conta verdadeiramente não depende das palavras.

Podemo-nos dizer de tantas maneiras: no desenho de uma palavra ou de um

silêncio, na fronteira do gesto ou da contemplação, no movimento de quem

parte ou na passividade de quem se entende à espera, porque, como ensina o

bíblico livro das Lamentações (3:26), ‘é bom esperar em silêncio a salvação de

Deus.’”

(José Tolentino Mendonça)

***

“Ah, Senhor! Com que confiança eu posso vir vos visitar, com esses defeitos e

com uma infinidade de outros que estão escondidos no meu amor-próprio? E

vós podeis vir até mim para me conceder aquilo de que preciso? Ah, Senhor!

Que sejais vós a rezar em mim, de modo que o meu espírito, meu coração e

minha língua sejam instrumentos de vossa palavra; que sejais vós meu

modelo. E o fervor, a resignação com a qual vós orastes ao vosso Pai celeste

sejam, de agora em diante, a regra que eu me proponho ao rezar, a fim de

obter com mais certeza da vossa bondade tudo aquilo que vós me inspirais

pedir.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 01 de setembro de 2023

MEDITAÇÃO XXVI

A PEDAGOGIA DO REINO DE DEUS: JESUS E AS PARÁBOLAS

“Estudem a Jesus.” (Santa Paula Elisabete)

Queridos, irmãos e irmãs. A paz! Concluindo mais uma semana e iniciando um novo mês, somos

convidados a agradecer ao Senhor por tudo o que vivenciamos no mês que se findou e confiar os nossos

projetos para o mês que se inicia, certos de que caminhamos com Ele. Guiado por uma instrução recorrente

nos escritos de Santa Paula para que, além de amar e seguir a Jesus, também procuremos conhecê-lo mais,

gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre Jesus, seus ensinamentos, sua presença salvífica. Como

educadores, acho pertinente iniciar esse percurso reconhecendo Jesus como um exímio educador, um grande

pedagogo. Seu modo de falar e ensinar ainda é atualíssimo e seus ensinamentos permanecem e repercutem

hoje. Deus abençoe imensamente a todos e um excelente final de semana.

***

Parábolas são histórias, comparações. É um gênero, uma forma de contar algo, passar uma mensagem

de modo simples e profundo para além da aparência do que está sendo contado, dito. Jesus contou parábolas.

Ele é por excelência o mestre das parábolas e suas parábolas falam da vida, do reino, do amor, do julgamento,

da misericórdia, de Deus, da palavra, dos que rejeitam ou aceitam essa palavra. Elas são práticas, fáceis e de

um significado profundo.

Jesus comunicava a sua mensagem ao povo e ensinava muitas coisas sobre o Reino de Deus. O povo

gostava muito de escutar Jesus, pois o modo como ele falava era diferente daquilo que diziam os rabinos (os

mestres da religião naquele tempo). Jesus falava de um modo tão simples que todas as pessoas entendiam a

sua mensagem, embora os doutores da lei e, em alguns momentos até os discípulos, tiveram dificuldade de

compreender a simplicidade e, ao mesmo tempo, a profundidade de seus ensinamentos.

Jesus sempre foi muito SENSÍVEL ao que acontecia no dia a dia das pessoas, e tirava lições disso para

ensinar a todos. Por isso, ele comparava o Reino do seu Pai com a vida das pessoas, das coisas, da natureza.

Usava os símbolos que o povo conhecia, como a semente, as aves, a luz, a rede de pescar, entre outros. Suas

palavras eram cheias de vida e bastante claras. Falando simples assim, todos entendiam, gostavam muito de

ouvir o que Jesus dizia e percebiam que ele era um grande profeta, que falava em nome de Deus. O mais

interessante é que ninguém esquecia as histórias que ele contava.

Dentre a diversidade de parábolas contadas por Jesus e redigidas pelos evangelistas, destaco

algumas. Conhecê-las nos ajuda a conhecer mais a pessoa de Jesus, de sua mensagem, do reino e do Pai.

Lidas, sobretudo com o método da Leitura Orante da Bíblia, nos possibilita uma assimilação melhor dos seus

conteúdos. Mas, isso é uma sugestão. Vejamos a lista das parábolas.

Bom samaritano: Lc 10,30-37

Casa sobre a rocha: Mt 7,24-27; Lc 6,47-49

Moedas de prata: Lc 19,11-26

Dois filhos: Mt 21,28-31

O fariseu e o cobrador de impostos: Lc 18,9-14

Fermento: Mt 13, 33-35; Lc 13, 20-21

Filho pródigo: Lc 15, 11-32

Grande ceia: Lc 14,16-24

Grãos de mostardas: Mt 13,31-32; Mc 4,30-32; Lc 13,18-21

Joio e o trigo: Mt 13,24-30.36-43

Lavradores homicidas: Mt 21,33-44; Mc 12,1-12; Lc 20,9-19

Moeda perdida: Lc 15,8-10

Ovelha perdida: Mt 18,12-14; Lc 15,1-7

Pérolas preciosas: Mt 13,45-46

Primeiro lugar à mesa: Lc 14,7-14

O rico e o pobre Lázaro: Lc 16,19-31

Roupas velhas e o vinho novo: Mt 9,16-17; Mc 2, 21-22 ; Lc 5,36-39

Semeador: Mt 13,1-9.18-23; Mc 4,3-20; Lc 8,4-15

Talentos: Mt 25,14-30

Tesouro no campo: Mt 13,44-46

Torre a ser construída: Lc 14,28-30

Trabalhadores na vinha: Mt 20,1-16

Videira e ramos: Jo 15,1-8

Cada parábola dentro de um contexto tem muito a dizer, a ensinar, a nos revelar sobre Deus, Jesus, a

vida, a nossa vida, principalmente nossa vida de fé, de adesão ao Senhor e sua proposta. Jesus convida a entrar

no Reino por meio das parábolas, traço típico de seu ensinamento. Por elas, convida ao festim do Reino, mas

exige também uma opção radical. para adquirir o Reino é preciso dar tudo; as palavras não bastam, são

necessários atos. As parábolas são como espelhos para o homem: este acolhe a palavra como um solo duro

ou como uma terra boa? Que faz ele dos talentos recebidos? Jesus e a presença do Reino neste mundo estão

secretamente no coração das parábolas. E preciso entrar no Reino, isto é, tomar-se discípulos de Cristo para

“conhecer os mistérios do Reino dos Céus” (Mt 13,11). Para os que ficam “de fora” (Mc 4,11), tudo permanece

enigmático.

De cada parábola, utilizando o método da Leitura Orante (Lectio Divina), podemos nos perguntar:

* O que este texto narra?

* Qual ensinamento sobre a experiência do agir de Deus em sua relação com o ser humano é possível

identificar? Em outros termos, qual imagem de Deus essa parábola revela?

* Qual prece/oração esse texto me convida a elevar a Deus?

Jandira, 25 de agosto de 2023

XXV Meditação

Esta minha vida que Jesus ama

Ao término desta semana, louvemos ao Senhor por tudo o que conseguimos realizar com

a sua graça e com o nosso empenho. A nossa vida, iluminada sobre o prisma da graça de

Deus, nos ajuda a compreender o quanto Deus está presente nos detalhes; o quanto Ele

nos ama e acredita que a cada dia podemos crescer mais em sabedoria e graça. Por isso,

convido-vos a dedicar um instante para contemplar e recordar os momentos em que, nesta

semana, conseguimos estar em sintonia conosco e com Ele, num gesto de gratidão.

Compartilho esse breve texto e uma reflexão de Santa Paula. Ótimo final de semana. Deus

abençoe.

***

“No início da vida pública, Jesus atravessa os lugares onde mais fortemente pulsa a

vida: o trabalho (barcos, redes, lago), a oração e as assembleias (a sinagoga), os lugares

dos sentimentos e da afetividade (a casa de Simão).

Jesus, libertado um homem do seu espírito doente, sai da sinagoga, e logo, como

que acossado por algo, entra em casa de Simão e André, onde «logo» (bela a urgência, a

pressão dos afetos) lhe falam da sogra com febre (cf. Marcos 1,29-39).

Hóspede inesperado, numa casa onde a responsável pelo servir está doente, e o

ambiente não está pronto, não foi preparado no seu melhor, provavelmente está em

desordem. Grande mestre, Jesus, que não se preocupa com o desarranjo, com o que de

impreparado existe dentro de nós, da sujidade, do ar um tanto ou quanto fechado das

nossas vidas.

E também ela, a mulher idosa, não se envergonha de fazer ver-se por um estranho,

doente e febril: Ele veio precisamente para os doentes. Jesus toma-a pela mão, reergue-a,

“ressuscita-a”, e aquela casa da vida bloqueada reanima-se, e a mulher, sem reservar

tempo para si, sem dizer «preciso de um instante, tenho de me arranjar, recuperar», põe￾se a servir, com o verbo dos anjos no deserto.

Estamos habituados a pensar a nossa vida espiritual como em algo que se

desenrola nos quartos bem arranjados, e nós bem vestidos e compostos diante de Deus.

Acreditamos que a realidade da vida nos outros quartos, essa existência banal, cotidiana,

acidentada, não é apropriada para Deus. E enganamo-nos: Deus enamora-se da

normalidade. Procura a nossa vida imperfeita para tornar-se fermento e sal, e mão que

volta a erguer.

Esta narrativa de um milagre humilde, não vistoso, sem comentários da parte de

Jesus, inspira-nos a acreditar que o limite humano é o espaço de Deus, o lugar onde aterra

o seu poder.

O que se segue é energia: a casa abre-se, melhor, expande-se, torna-se grande ao

ponto de poder acolher, à noite, no limiar da porta, todos os doentes de Cafarnaum. Toda

a cidade está reunida no umbral entre a casa e a estrada, entre a casa e a praça.

Jesus, pólen de gestos e de palavras, que ama portas abertas e tetos escancarados

por onde entram olhos e estrelas, que ama o risco da dor, do amor, do viver, cura-os.

Quando ainda estava escuro, sai em segredo e reza. Simão persegue-o, procura-o,

encontra-o: «Que fazes aqui? Desfrutemos do sucesso, Cafarnaum está aos teus pés!».

E Jesus começa a destruir as expectativas de Pedro, as nossas ilusões: vamos para

outro lugar. Um outro lugar que não sabemos; apenas sei que não cheguei, que não posso

acomodar-me; um “outro” que a cada dia me seduz e amedronta, mas ao qual volto a

confiar, diariamente, a esperança.

(Ermes Ronchi)

***

“Jesus ardia de amor pelos seres humanos; a sua Encarnação, a sua vida mortal, a sua

paixão e morte, a Instituição admirável do Santíssimo Sacramento nos dão uma prova certa

de seu amor por cada um de nós.” (Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 18 de agosto de 2023

XXIV MEDITAÇÃO

ENSINA-NOS A RECONHECER O FIO DE AMOR

Queridos, irmãos e irmãs, a paz esteja convosco! Ao concluirmos mais

uma semana, com a graça de Deus, partilho essa belíssima reflexão sobre o

valor da oração em nosso cotidiano. Gosto de dizer que a oração é o que nos

permite aguçar nossos sentidos para perceber a presença de Deus nos

detalhes do nosso dia, mesmo os mais desafiadores. É um exercício, exige de

nós essa disciplina interior em reconhecer que o essencial está no profundo,

na sutileza da vida. Que Deus vos abençoe imensamente e que tenham um

excelente final de semana. Obrigado pela dedicação de todos!

***

“Ensina-nos, Senhor, a reconhecer o fio de amor com que dás unidade

àquilo que tantas vezes aos nossos olhos aparece confusamente

fragmentado, indistinto e irresolúvel de fatos ou de razões.

Ajuda-nos a interpretar nos acontecimentos que se sobrepõem

ofegantes, e não raro enigmáticos, não apenas a marcha implacável da

história, não apenas a mancha do seu ruído, mas uma chamada a buscar-Te,

a nos interrogarmos sobre a Tua vontade, a valorizar os Teus discretos sinais

como contraponto silencioso a tudo isto.

Inicia-nos a compreender que o que apressadamente catalogamos

como acaso é bem mais do que um jogo de coincidências: é o lento e

misterioso desenrolar da coreografia da Tua revelação em nós.

Faz-nos ver que, por exemplo, o que julgamos ser apenas o efeito

desencontrado do vento, nestas tardes de transição entre inverno e

primavera, representa também no fundo uma dança. Pois as folhas não

rodopiam sem por quê. Nem um cabelo da nossa cabeça se agita longe do

Teu olhar.

Ensina-nos que há um sentido, mesmo quando não o colhemos

claramente. Há um sentido na experiência que fazemos tanto da alegria

como da dor, tanto na transparência como naqueles momentos em que

escasseiam as evidências que tanto desejamos. Há um sentido no

entusiasmo e na fadiga, na plenitude e no vazio, no jardim e no deserto.

Ensina-nos, Senhor, a dirigir incondicionalmente para Ti o nosso

coração, por contrastantes que sejam as circunstâncias em torno a nós.

E explica-nos em cada dia o que significa confiar.”

(José Tolentino de Mendonça)

***

“Eu encontrei a paz do meu coração conversando com Deus; a sua presença

é uma aurora que, vencendo as trevas, aquieta os ventos e a dissipa a

procela, e faz nascer no ser humano uma calma celeste. Ajam com Deus da

mesma maneira com que agimos e somos solícitos àquelas pessoas que mais

amamos.” Santa Paula Elisabete Cerioli.

Maringá, 11 de agosto de 2023

XXIII MEDITAÇÃO

“AVANCEM PARA ÁGUAS MAIS PROFUNDAS”

Caríssimos, irmãos e irmãs. A paz esteja convosco. Espero que todos

se encontrem bem ao concluirmos mais uma semana. Quero

compartilhar convosco essa passagem do evangelho que

acompanhou o retiro espiritual dos padres e religiosos da Sagrada

Família, e que acredito dizer muito a todos nós educadores e

educadoras. O evangelho narra a experiência frustrada de Pedro e

seus companheiros diante de uma longa e árdua noite de trabalho

sem apanhar um peixe sequer. O cansaço e a frustração os levaram a

uma atitude de desânimo, ressignificada somente no encontro com

Jesus, que os chamou a renovar a missão, aprofundando seu sentido,

olhando com profundidade sua beleza. Avançar para águas mais

profundas é um convite arriscado, comprometedor, mas que nos

permite experimentar e constatar que na superfície não temos a

possibilidade de fazermos a experiência com o que de fato é

fundamental em nossas vidas: Deus. Nem sempre nossos projetos,

bem preparados por sinal, conseguem atingir nossas expectativas.

Mas isso não é o fim, pois o Senhor nos convida a continuar, a mudar

e aprofundar COM CORAGEM, pois Ele está conosco; Ele nos

convoca diariamente a confiar mais em Sua graça e em Sua

presença. Que tenhamos sempre essa coragem e crescermos na

profundidade de nossa missão, certos de que ao nosso lado, o

Senhor continua nos convidando a lançar as redes com

sensibilidade, dedicação e gratidão, apesar de tudo. Deus abençoe

imensamente e muito obrigado pela vossa presença e missão.

***

Evangelho de Jesus Cristo segundo S. Lucas (5, 1-11)

Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a

multidão apertava-se em seu redor para ouvir a palavra de Deus.

Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores

haviam desembarcado e lavavam as redes. Subindo numa das

barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da

margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões.

Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para águas mais

profundas, e lançai as vossas redes para a pesca”. Simão respondeu:

“Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em

atenção à tua palavra, vou lançar as redes”. Assim fizeram, e

apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam.

Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que

viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto

de quase se afundarem. Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés

de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um

pecador!” É que o espanto apoderara-se de Simão e de todos os seus

companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e

João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram

espantados. Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De hoje

em diante tu serás pescador de homens”. Então levaram as barcas

para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus.

Jandira, 04 de agosto de 2023

XXII MEDITAÇÃO

A ORAÇÃO E A CONFIANÇA EM DEUS

Queridos irmãos e irmãs, ao concluirmos nossa primeira semana de

atividades escolares neste segundo semestre, compartilho convosco essa

breve reflexão, dando continuidade às meditações realizadas no semestre

passado. O objetivo é compartilhar essas centelhas de espiritualidade diante

de nossa rotina tão corrida, onde nem sempre conseguimos nos reunir.

Espero que esse instrumento possa ser útil para as vossas orações e

meditações, bem como de aprofundamento dos escritos espirituais de tantas

pessoas que fizeram experiências profundas de fé, de modo especial, nossa

Fundadora Santa Paula. Hoje refletiremos sobre o tema da oração, que é o

nosso veículo de comunicação com Deus, bem como a oportunidade de

contemplar as grandes maravilhas que Deus tem operado em nossas vidas.

Que Deus vos abençoe imensamente e obrigado por toda dedicação. Ótimo

final de semana.

***

A mais bela profissão do ser humano é rezar e amar

Prestai atenção, meus filhinhos: o tesouro do cristão não está na terra, mas

nos céus. Por isso, o nosso pensamento deve estar voltado para onde está o

nosso tesouro. Esta é a mais bela profissão do homem: rezar e amar. Se rezais

e amais, eis aí a felicidade do homem sobre a terra.

A oração nada mais é do que a união com Deus. Quando alguém tem o

coração puro e unido a Deus, sente em si mesmo uma suavidade e doçura que

inebria, e uma luz maravilhosa que o envolve. Nesta íntima união, Deus e a

alma são como dois pedaços de cera, fundidos num só, de tal modo que

ninguém pode mais separar. Como é bela esta união de Deus com sua

pequenina criatura! É uma felicidade impossível de se compreender. Nós nos

havíamos tornado indignos de rezar. Deus, porém, na sua bondade, permitiu￾nos falar com ele. Nossa oração é o incenso que mais lhe agrada.

Meus filhinhos, o vosso coração é por demais pequeno, mas a oração o dilata

e torna capaz de amar a Deus. A oração faz saborear antecipadamente a

felicidade do céu; é como o mel que se derrama sobre a alma e faz com que

tudo nos seja doce. Na oração bem feita, os sofrimentos desaparecem, como

a neve que se derrete sob os raios do sol.

Outro benefício que nos é dado pela oração: o tempo passa tão depressa e

com tanta satisfação para o homem, que nem se percebe sua duração.

Escutai: certa vez, quando eu era pároco em Bresse, tive que percorrer

grandes distâncias para substituir quase todos os meus colegas que estavam

doentes; nessas intermináveis caminhadas, rezava ao bom Senhor e – podeis

crer! – o tempo não me parecia longo.

Há pessoas que mergulham profundamente na oração, como peixes na água,

porque estão inteiramente entregues a Deus. Não há divisões em seus

corações. Ó como eu amo estas almas generosas! São Francisco de Assis e

Santa Clara viam nosso Senhor e conversavam com ele do mesmo modo

como nós conversamos uns com os outros.

Nós, ao invés, quantas vezes entramos na Igreja sem saber o que iremos pedir.

E, no entanto, sempre que vamos ter com alguém, sabemos perfeitamente o

motivo por que vamos. Há até mesmo pessoas que parecem falar com Deus

deste modo: “Só tenho duas palavras para vos dizer e logo ficar livre de vós.”.

Muitas vezes penso nisto: quando vamos adorar a Deus, podemos alcançar

tudo o que desejamos, se o pedirmos com fé viva e coração puro”. (S. João

Maria Vianey)

***

“O ser humano foi criado para louvar ao Senhor, conhecê-Lo, amá-Lo e servi￾Lo; e esse amor consiste na conformidade de nossa vontade ao querer de

Deus. A conformidade de nossa vontade àquela divina é virtude de todos os

tempos e de todos os estados: a humildade, a paciência, a fé e a esperança

fazem parte de nossa origem. Nele depositamos a nossa fé porque

acreditamos que nada nos vem sem o desejo de Deus; demonstremos a nossa

confiança abandonando-nos a Deus, à sua Bondade…” (Santa Paula Elisabete

Cerioli)

Jandira, 23 de junho de 2023

XXI MEDITAÇÃO

João Batista: Espiritualidade do “santo popular” forjado na radicalidade,

determinação e humildade

As festas tipicamente juninas são esperadas com grande alegria por grande parte

dos brasileiros e, na realidade escolar, ocupam um lugar significativo em nosso

calendário de atividades. É uma oportunidade de festejar e celebrar a conclusão do

semestre, sempre marcado por grandes desafios, mas também realizações. Embora

também trabalhemos pesado para a realização da festa, temos a oportunidade de

nos divertir e de encontrarmos nossos alunos e famílias em um contexto diferente

daquele rotineiro. No entanto, as festas juninas ou Festa de São João nos convida a

recordar desta figura emblemática: João Batista, primo de Jesus, considerado como

o último dos profetas da primeira Aliança, aquele que estava no limiar e que mostrou

aos seus o Cordeiro de Deus, Cristo Jesus. Sei da correria destes dias, mas vos

convido, quando possível, ler a belíssima meditação do Cardeal Gianfranco Ravasi

sobre a figura de São João Batista. Deus abençoe imensamente a vossa vida e

obrigado por tudo!

***

“‘Ao oitavo dia vieram para circuncidar o menino e queriam chamá-lo com o

nome do seu pai, Zacarias. Mas a sua mãe intervém: Não, chamar-se-á João.

Disseram-lhe: Não há ninguém da tua parentela que se chame com esse nome. Então

perguntaram com gestos a seu pai como queria que se chamasse. Ele pediu uma

tabuinha, e escreveu: João é o seu nome. Todos ficaram admirados. Nesse mesmo

instante abriu-se-lhe a boca e desatou-se-lhe a língua, e falava bendizendo Deus.

Todos os seus vizinhos foram tomados de temor, e por toda a região montanhosa da

Judeia se discorria sobre todas estas coisas. Aqueles que o escutavam, conservavam￾no no seu coração: Quem será esta criança?, diziam. Verdadeiramente a mão do

Senhor estava com ele.’ (Lucas 1).

Do silêncio de Zacarias nasce a última palavra profética da Antiga Aliança, da

esterilidade de Isabel nasce o anunciador da vida perfeita oferecida por Deus ao seu

povo. Nos Evangelhos, a figura de João e a sua mensagem são esboçados com os

mesmos traços dos de Cristo, precisamente segundo o princípio judaico segundo o

qual «o enviado é como aquele que envia».

Não é por acaso que a liturgia da Palavra de 24 de junho aplica a João o

segundo canto do Servo do Senhor (Isaías 49), que a tradição cristã usou sempre em

chave messiânica e cristológica. O Batista é o “servo” de Deus e, portanto, do seu

Messias (Ungido).

Como recorda Paulo no seu discurso em Antioquia da Pisídia, João proclama:

‘Eu não sou aquele que vós pensais que eu seja! Eis que vem depois de mim alguém,

ao qual eu não sou digno de desatar as sandálias’. E, no entanto, a sua ação abre-se

com um batismo a que o próprio Cristo se submete, a sua pregação tem como núcleo

a mesma proclamação de Cristo: ‘O Reino de Deus está próximo’. O seu destino é o

mesmo do de Cristo, o martírio sob o jugo do poder cruel.

Há, por isso, uma representação cristológica da figura de João, cuja existência

é totalmente polarizada em Cristo. É o mesmo registo que guia o «Evangelho da

infância do Batista”, de que se proclama um excerto na solenidade de S. João. Ele é

construído por Lucas em díptico com o do próprio Cristo, segundo o esquema

‘anunciação-nascimento-hinos-crescimento’. E é precisamente sobre esse trecho

que agora fixamos a nossa atenção.

No centro está o nascimento do menino que é totalmente dom de Deus, tendo

nascido de uma mãe estéril (segundo o módulo típico doas “nascimentos de um

herói”, muito conhecido no Antigo Testamento). Deus entra na História com uma

palavra viva que se faz carne na expectativa da plena encarnação do Filho. A

novidade absoluta deste dom e desta palavra é documentada também pelo nome

João, inédito na sua. Ele, com efeito, indica de maneira luminosa a missão e a

realidade do Precursor, exprime a “graça” benéfica com que Deus envolve e

transforma o seu eleito, que dessa forma se torna “gracioso” aos olhos de Deus e dos

seres humanos.

Diante destra revelação divina no menino João e no pai que volta a ser

‘homem da palavra’, a comunidade reage com ‘temor’, que é ato de fé, de adoração e

de louvor. A comunidade torna-se missionária, e o anúncio do acontecimento

revelador de Deus propaga-se por toda a Judeia. E é neste ponto que o evangelista

sublinha o paralelo de João com Cristo. A frase final, ‘a mão do Senhor estava com

ele’, e o seguinte acrescento sobre o crescimento admirável da criança evocam as

mesmas qualidades que se repetirão em plenitude para Cristo. O Senhor age em João

com a sua mão eficaz e libertadora. Através deste retrato do Precursor configura-se

a fisionomia não só de quem precedeu Cristo, preanunciando-o, mas também

daquela de quem o seguirá anunciando-lhe a morte e ressurreição.

João é consagrado ao seu Senhor como o será o verdadeiro discípulo que

seguir o seu Mestre na fé e no amor. Um seguimento total que abraça todo o arco da

existência, do nascimento à morte, precisamente como João, chamado do ventre da

mãe e votado à justiça do Reino de Deus até ao seu martírio:

“Sobre ti, Senhor, me apoiei desde o ventre materno, desde o seio da minha

mãe Tu és o meu sustento… E agora na velhice eu anuncio o teu poder, a todas as

gerações as tuas maravilhas’. (Salmo 71, 6.18).

A solenidade do nascimento de João Batista permite-nos delinear os traços

essenciais desta figura cujo nome é transportado por tantos homens e mulheres. Um

nome, aliás, de significado sugestivo: liga-se a um verbo hebraico que está na base

do substantivo ‘graça’ (‘hnn’). O rei diante do súbdito amado experimenta ternura e

enche-o de ‘graça’, pela qual o súbdito se torna ‘gracioso’, transfigurado, glorificado.

Este sentido do nome João deve ser naturalmente entendido de maneira religiosa:

para usar uma expressão aplicada por Lucas a Maria, João é ‘cheio de graça’,

envolvido pelo amor de Deus às suas origens, naturalmente em grau de formas

diferentes em relação às da Mãe do Senhor.

Do Batista – chamado pela tradição cristã ‘Precursor’, isto é, aquele que corre

antes, o arauto do Messias na base da profecia de Isaías (40, 3-5) citada pelos

próprios evangelistas – nos falam os quatro Evangelhos, os Atos dos Apóstolos e o

historiador judeu Flávio Josefo, contemporâneo de Paulo. Este, na sua obra

‘Antiguidades judaicas’, apresenta-nos João como um mestre nobilíssimo de piedade

e de virtude, que batiza mas apenas em sentido ritual, preso e decapitado sob o rei

Herodes Antipas no forte de Maqueronte, sobre o mar Morto, por receio que em

torno à sua figura se coagulasse o descontentamento popular contra o regime

herodiano.

Alguns estudiosos sublinharam também os pontos de contacto da pregação e

do batismo de João com a vida e as crenças da comunidade ‘monástica’ judaica de

Qumran, sobre a margem ocidental do mar Morto, conhecida pelas sensacionais

descobertas dos textos da sua ‘biblioteca’ a partir de 1947. Todavia, as distâncias de

João deste contexto são superiores aos elementos paralelos.

Ele, com efeito, ergue-se sobretudo como aquele que proclama uma

reviravolta radical, uma conversão da existência, e não uma simples pureza ritual e

sacral. Ele é depois aquele que anuncia não só genéricos ‘últimos tempos’ ou uma

era messiânica, mas uma figura precisa de Messias, Jesus de Nazaré. Este é ‘o mais

forte’, em relação a quem ele não se sente digno sequer de ser simples escravo,

aquele que desata ao seu senhor as sandálias.

Sabemos também que em torno a João se constituiu uma comunidade de

discípulos, dos quais alguns se colocaram com alegria no seguimento de Jesus,

enquanto outros se encastelarão em torno a João mesmo depois da sua morte numa

espécie de “comunidade batista” autónoma de matriz rigorista. Com efeito, nos

Evangelhos lemos frases deste género: ‘Porque é que os discípulos de João jejuam?…

Senhor, ensina-nos a rezar como também João ensinou aos seus discípulos?’(Marcos

2, 18; Lucas 11, 1).

Mas a fisionomia espiritual de João está ligada a alguns traços fundamentais.

Antes de tudo, o seu nascimento glorioso, narrado por Lucas numa página muito

intensa, da velhice de Isabel e da incredulidade de Zacarias. Ele é o profeta definitivo:

‘Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo… João, um profeta? Sim, digo-vos,

e mais que um profeta’ (Lucas 1, 76; 7, 26). Ele está repleto pelo Espírito de Deus

desde o ventre materno, para que a sua missão seja totalmente consagrada a Deus e

ao seu Cristo.

O segundo traço do seu retrato está na sua voz, tempestuosa como a dos

profetas antigos, e no testemunho que não conhece hesitações. Como dirá Jesus, João

não é uma cana que se dobra ao vento, é um carvalho que só pode ser quebrado. Eis,

então, o terceiro traço, ligado a um ato preciso, o batismo de Jesus. A voz de João e a

sua mão apontam para aquele homem: ‘Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do

mundo!’ (João 1, 29). E o batismo que ele realiza sobre Jesus transforma-se numa

grande epifania divina. Cantará o evangelista seu homónimo: ‘Ele veio como

testemunha para dar testemunho da luz. Não era ele a luz…’ (1, 7-8)

O último traço de João está na doação total, no estilo dos grandes profetas. Os

Evangelhos, com efeito, referem-nos a paixão e a morte de João numa narrativa

ampla e repleta de veneração. A sua história foi a de um homem extraordinário que

teve a consciência da grandeza da sua vocação, mas também do limite da sua missão.

É belíssimo, a propósito, o autorretrato que ele esboça na base de um uso judaico, o

do ‘amigo do esposo’, isto é, do mediador oficial entre o esposo e a esposa antes das

bodas: ‘Não sou eu o Cristo. Quem possui a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo

exulta de alegria à voz do esposo… É preciso que Ele cresça e que eu diminua’. (João

3, 28-30).

(Gianfranco Ravasi)

Jandira, 16 de junho de 2023

XX MEDITAÇÃO

O DESAFIO DE RECOMEÇAR

O nosso tempo, marcado pela ditadura da produtividade e dos resultados

quase nunca olha com bons olhos ao processo desafiador de recomeçar, de

revisitar com paciência, caridade e misericórdia o nosso percurso, nem

sempre retilíneo, mas repleto de altos e baixos. Esse diagrama vital de

ascensões e quedas marcam o dinamismo de nossa vida, cuja necessidade de

reservar momentos de pausa e contemplação são fundamentais para que

possamos aprender com cada situação e vivência. Compartilho esse trecho da

obra “No ritmo dos monges”, de Anselm Grün onde somos convidados a olhar

com “bons olhos” os constantes recomeços e renovações necessários em

nosso modo de ser. Deus abençoe imensamente um ótimo final de semana.

Obrigado a todos pelo empenho, dedicação e amor nesta missão.

***

“Na espiritualidade dos eremitas do deserto, a ideia do recomeçar tinha

um papel importante. Constantemente, o tempo nos convida a começar de

novo. Assim reza um ditado daqueles monges: ‘Abba Poimen dizia que Abba

Prior iniciava todo dia a vida de novo’. Vivemos do passado. Carregamos as

feridas da história de nossa vida. Trazemos do passado o peso de nossas faltas,

mas não devemos ficar remoendo o que passou. Cada momento nos convida

a recomeçar, pois nunca é tarde demais para um novo início.

Os monges antigos viam em cada momento o fascínio da novidade. O

tempo que agora começa ainda não foi usado. Como nunca foi tocado, nunca

adulterado, nunca usado, devemos aprender que também a nossa alma pode

recomeçar, ser renovada por Deus, que é sempre novo. Na Bíblia, é novidade

uma importante imagem de Deus, que é o sempre novo, nunca gasto. Quando

nos apresentamos a esse Deus, nós mesmos nos renovamos. Aí o passado não

nos prende em suas garras.

Abba Antônio formulou isso de maneira semelhante. Quando o

patriarca Pambo lhe perguntou: ‘Que devo fazer?’, ele respondeu: ‘Não

queiras construir em cima de tua justiça, não continues lamentando algo que

já passou e pratica a abstinência da língua e da barriga’. Uma das causas pelas

quais muitas pessoas não desfrutam o presente é por ficar girando sem parar

em torno das próprias faltas. Muitos não sabem perdoar-se quando agiram

mal; assim se dilaceram com sentimentos de culpa. Ou, então, quebram a

cabeça, perguntando-se por que não tiveram mais cuidado a ponto de caírem

na armadilha. Ou ficam cismando que outros, ou as circunstâncias, podem ter

sido responsáveis por aquela falha. O girar em torno do passado lhes impede

de estar no momento.

Antônio nos aconselha a liberar o passado. Isso não é nenhum recalque;

o conselho do patriarca do monaquismo nasceu da profunda confiança de que

Deus, muito tempo atrás, o perdoou. Se Deus perdoou minha culpa, eu

também posso me perdoar e abandonar sem receio meu passado nos braços

dele. Posso me desprender do que “já era”, e me entregar ao ‘agora’. Conselho

semelhante é dado por muitos monges ao citarem o salmo: ‘Hoje, quando

ouvirdes sua voz, não endureçais o vosso coração’ (cf. SI 95[94],8). O monge

não deve se preocupar com o que passou. Hoje é sempre o momento de

mudar, de recomeçar a vida. Os monges sabem farejar o ‘hoje’ de Deus. Em

seu evangelho, Lucas liga sete vezes as obras de Jesus a um ‘hoje’. Quando os

cristãos ouviam falar desse hoje, ficava-lhes claro que, naquele momento,

Jesus Cristo estava entre eles e agiria por eles.

De Abba Poimen, transmite-se a palavra: ‘Uma voz grita para o ser

humano, até seu último suspiro: Mude de rumo hoje’. O momento atual é a

chance para modificar o rumo, o pensamento, orientando-se novamente para

Deus. O mudar de ideia não acontece somente uma vez. Em cada instante,

está o ‘hoje’, em que Deus quer se encontrar comigo. Mas eu devo mudar de

rumo para me encontrar com ele. Se estiver preso em mim mesmo, não

perceberei Deus. Em um ditado dos velhos eremitas, Abba Moses pergunta a

Abba Silvanos: ‘Mas, então, o ser humano pode recomeçar todo dia?”. E ele

responde: “Se for trabalhador, pode até mesmo recomeçar toda hora’”.

***

“Senhor, desfaça-me e refaça-me até que eu viva somente para vós.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

03 de Junho de 2023

Quando nos dedicamos a revisitar a missão educativa de Santa Paula, isto é, seu

carisma, encontramos um tesouro muito profundo, profeticamente atual, na medida em

que o atualizamos e o tornamos concreto no tempo presente. Hoje queremos dedicar estas

duas horas para refletir acerca do tema da EDUCAÇÃO INCLUSIVA, tão importante e

relevante para que de fato construamos uma sociedade na qual a equidade e a educação

possam ser uma realidade. A Educação Cerioliana tem como fundamento sua dimensão

INTEGRAL, conforme refletimos nos últimos Simpósios. Pensar o ser humano em sua

integralidade significa considerar a sua dimensão intelectual, emocional, social e

espiritual. A espiritualidade ou a mística educativa perpassa todas essas dimensões. Vale

recordar que o modelo da Sagrada Família está presente de maneira premente no carisma

cerioliano:

“Jesus, Maria e José, essa Família santa e divina une a vida instrutiva de

Jesus, a vida oculta de Maria e a vida artística de José. Assim também deve

ser a nossa vida, segundo a ideia, a finalidade e o objetivo que este Instituto se

propõe.” Santa Paula Elisabete

Esta belíssima síntese, que acompanhou o nosso VIII Simpósio de Educação,

encontramos 3 dimensões profundas:

*A dimensão intelectual;

*A dimensão afetiva do acolhimento, da humildade e da profundidade

*A dimensão criativa.

Todas essas dimensões são unidas pela espiritualidade, pelo modo profundo de ler

as realidades que nos circundam, ir além das superficialidades e atingir a profundidade

do ser. Isso não é possível somente com nossas técnicas, por mais necessárias que elas

possam ser. É preciso também dar espaço para que o Divino Espírito possa acompanhar

o nosso agir educativo.

Além da dimensão INTEGRAL, o carisma Cerioliano é fundamentalmente

INCLUSIVO. O objetivo nuclear de Santa Paula com a fundação do Instituto da Sagrada

Família era o de acolher e incluir aqueles que estavam “fora” de uma condição digna de

ser. No tempo de Santa Paula, as crianças órfãs e camponesas estavam excluídas da

consideração social, privadas de direitos mínimos. Sua obra foi profética por ter intuito

que TODOS devem ser tratados com amor, com respeito e serem inseridos no espaço de

direito. Hoje, o direito à inclusão ainda é palavra de ordem; ao darmos continuidade a

essa missão tão profética, somos chamados a nos preparar para melhor acolher e incluir,

garantindo acesso completo ao conhecimento, à cultura, às relações humanamente

fraternas. Queremos, assim, por meio deste encontro, refletir e aprender mais sobre como

podemos de fato promover uma educação inclusiva em nossas instituições de ensino.

Concluo com a seguinte frase de Santa Paula:

“Queridas Irmãs, como o Senhor, em sua grande misericórdia, confiou a nós

essas pobres órfãs, a fim de formá-las como cristãs para a sua glória e seu

serviço, antes de tudo assumamos todas as obrigações e os grandes deveres que

esta tarefa exige de nós. Lembremo-nos de que somos responsáveis perante

Deus e os homens do sucesso delas e de sua educação, e não vamos dar muito

peso aos grandes esforços e sacrifícios para cumprir este nosso dever com

exatidão. Vamos nos armar de grande caridade, paciência e prudência, e

façamos com que elas nos obedeçam por amor, que nos respeitem pela estima

que os nossos exemplos e a nossa conduta inspiram, e que façam qualquer

coisa por persuasão; nunca, nunca por medo, ou necessidade, ou temor… Em

suma, amemos estas pobres Filhas; façamos com que elas amem seus deveres,

detestem o vício, respeitem a virtude por puro amor ao Senhor, o qual deve ser

sempre o princípio, o meio e o fim de tudo aquilo que elas dizem, fazem e

realizam.”

Faço repercutir esta frase: “Vamos nos armar de grande caridade, paciência e

prudência, e façamos com que elas nos obedeçam por amor…”, pois estou convicto de

que podemos fazer maravilhas em nossas escolas quando conseguimos partilhar e

caminhar juntos neste espírito de fraternidade. Que jamais esqueçamos da importância de

alimentarmos em nós, além das técnicas e conhecimentos, a dimensão mística de nossa

vida, educando sempre mais a nossa sensibilidade para perceber as maravilhas que estão

presentes na sutileza de nosso cotidiano. Deus vos abençoe grandemente!

Irmão Ailton Volpato Rodrigues, CSF.

Jandira, 02 de junho de 2023

XIX MEDITAÇÃO

EDUCADORES: SERES IMPRESCINDÍVEIS

Caríssimos, aproxima-se a conclusão deste primeiro semestre e, com a graça de

Deus e empenho e dedicação de todos, conseguimos inúmeras conquistas em nossa

missão educativa. Sabemos que não é tarefa simples, pois são inúmeros os desafios; no

entanto, também somos convidados a olhar com carinho e sensibilidade para as

conquistas diárias, fruto desta relação profunda e misteriosa que perpassa a nossa

presença na vida de nossos estudantes e companheiros de trabalho. Diante das provações

e desafios, convido-vos a sempre a essa atitude mística de contemplação e espiritualidade,

pois acredito que seja fundamental para nos auxiliar a ver as maravilhas em cada detalhe,

até mesmo nas dificuldades. Compartilho essa reflexão com todos, agradecendo o

empenho, amor e dedicação nesta missão preciosa. Deus abençoe imensamente!

***

“As consequências para a escola, para o professor e para a educação em geral são

enormes: ensinar a pensar; saber comunicar-se; saber pesquisar; ter raciocínio lógico;

fazer sínteses e elaborações teóricas; saber organizar o seu próprio trabalho; ter disciplina

para o trabalho; ser independente e autônomo; saber articular o conhecimento com a

prática; ser aprendiz autônomo e a distância. Nesse contexto, o professor é muito mais

um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação.

Não confundir “mediador” com “facilitador”. As máquinas, os meios, os computadores,

são facilitadores. O professor é um dirigente. Mais do que um facilitador, é um

problematizador; sua função é político-pedagógica. O aluno precisa construir e

reconstruir conhecimento a partir do que faz. Para isso, o professor também precisa ser

curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o quefazer dos seus

alunos. Ele deixará de ser um “lecionador” para ser um organizador do conhecimento e

da aprendizagem. Em resumo, poderíamos dizer que o professor se tornou um aprendiz

permanente, um construtor de sentidos, um cooperador e, sobretudo, um organizador da

aprendizagem.

O que é ser educador hoje? — Ser educador hoje é viver intensamente o seu tempo

com consciência e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem

educadores. Os educadores não só transformam a informação em conhecimento e em

consciência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos falsos pregadores da

palavra, dos marqueteiros, eles são os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos

de que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber, não o dado, a informação, o puro

conhecimento, porque constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e

buscam, juntos, um mundo mais justo e mais saudável para todos. Por isso, eles são

imprescindíveis.” (Moacir Gadotti – Boniteza de um Sonho: Ensinar e aprender com

sentido).

***

“Oh, quanto bem vocês podem fazer nas escolas! Mas para isso é preciso fazer

tudo com amor, e este amor tem de vir do alto, com a abnegação e com o sacrifício…

Portanto,saibam valorizar a todos, estando vocês, por primeiro, aplicadas nisso com ardor

e amor, lembrando que a Escola é a Cátedra da paciência e o lugar da abnegação e do

sacrifício. Mas que seja de conforto aquilo que Jesus disse no Evangelho: “Todas as vezes

que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o

fizestes!” (Santa Paula Elisabete Cerioli

Jandira, 26 de maio de 2023

XVIII MEDITAÇÃO

PENTECOSTES: A EXPRESSÃO DE DEUS

Queridos irmãos e irmãs! Após um longo período em que meditamos a

grandeza do mistério da Páscoa, convido-vos a dedicar um tempinho para

meditarmos sobre a presença do Espírito Santo de Deus em nossas vidas, em

nossa missão de educadores. Os Seus dons estão presentes em nossas vida,

sobretudo quando confiamos à Ele os nossos projetos e conquistas, medos e

aflições. Agradeço imensamente o empenho de todos, a dedicação e o amor

na condução desta bela missão. Não nos esqueçamos: o Espírito Santo nos

acompanha em nossa jornada, pois Jesus nos prometeu que jamais

estaríamos sós! Um abençoado final de semana a todos!

***

“É duro e belo o que vem descrito pelo Evangelho de João a propósito da

cena do Pentecostes. Os apóstolos estão acossados, de portas fechadas,

afundados na própria incerteza, por medo do que lhes possa acontecer. E o

Ressuscitado aparece, atravessando o medo deles, perfurando esse espesso

medo para lhes dizer: “A paz esteja convosco.” Nesse momento, mostra-lhes

as feridas provocadas pela cruz e sopra sobre eles. Este sopro deve ser lido

como uma citação do momento da criação, quando Deus amassa o homem

da fadiga do barro, da fragilidade da terra, e lhe insufla as narinas para que o

homem se possa tornar um vivente sobre este mundo, com tudo o que isso

significa. Sem cair em dicotomias fáceis, cada um de nós repete essa

experiência primordial. Sentimos que há uma materialidade na vida, no

corpo que somos, na forma da nossa existência sobre este mundo. Mas, ao

mesmo tempo, compreendemos que não somos só isso: somos também um

sopro vital, um hálito, um mistério que excede as explicações fornecidas

pela pura matéria. Somos também espírito. E é esta associação de planos

que faz o milagre espantoso que é a vida. Ora, o sopro vital não é apenas o

oxigénio de que precisamos para existir neste instante. O sopro vital é o

Espírito Santo.

No relato evangélico, Jesus toma a fadiga da nossa existência, a nossa

interminável fragilidade e investe nela um novo motor de sentido: o sopro

do Espírito Santo. E isso é duro e belo, dizia. Belo, porque se trata de um

verdadeiro renascimento. Duro, porque o Espírito Santo é concedido aos

discípulos numa estação particularmente sofrida do seu caminho. É à

mulheres e homens feridos por lutos, sofrimentos, insuficiências e dúvidas

que a plenitude do Espírito é dada. De fato, Jesus não suspende neles a

vulnerabilidade, a precariedade ou o medo. Potencia, sim, uma capacidade

de entender e de viver tudo de outra forma. A grande transformação do

Pentecostes é, assim, a oferta de um surpreendente horizonte de

compreensão, uma abertura do olhar, uma reviravolta, uma nova chave de

interpretação de nós mesmos e da história. Sem o Espírito Santo vemo-nos

apenas pó, apenas barro, somos apenas o que se vê daqui, o que morre aqui,

todos os dias, a todas as horas. É o Espírito que nos torna maiores do que

somos.

É interessante, por exemplo, que o Livro dos Atos dos Apóstolos relate o

Pentecostes como um inédito acontecimento hermenêutico: cada um se

expressa na sua própria língua, mas todos se descobrem capazes de se

entender na diversidade. O Espírito Santo, prometido por Jesus, exprime￾se numa linguagem universal, para a qual não há os habituais bloqueios de

tradução que tanto nos tolhem. Faz-nos falar a linguagem do amor e da

compaixão; a linguagem da alegria e da fortaleza; a linguagem da visita,

do cuidado e da dádiva.

O Espírito é a expressão de Deus, o seu alfabeto. O Espírito Santo é essa

divina criatividade em ato que nos estimula a sermos originais. E que, ao

mesmo tempo, conspira para, na nossa diferença, na nossa singularidade

irredutível consigamos criar laços de fraternidade e de comunhão. Por isso,

cada crente é uma consequência do Espírito Santo, um endereço e uma

criação sua. Por isso, o dia de Pentecostes não foi apenas aquele dia concreto

em que o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos, reunidos no cenáculo.

Cada dia da nossa vida é um dia de Pentecostes. Em cada dia, o Espírito

Santo vem até nós como defensor e não permite que a sombra, a

violência ou o temor se sobreponham à esperança, mesmo quando esta

nos parece frágil.” (José Tolentino Mendonça)

Jandira, 19 de maio de 2023

XVII MEDITAÇÃO

O TEMPO: ENTRE O NOSSO E O DE DEUS

Caríssimos, irmãos e irmãs! Cotidianamente nos deparamos com a percepção de que o

tempo anda de modo acelerado, até mesmo abreviado. São tantas as atividades nas quais

devemos dar conta que nem sempre percebemos o transcorrer sutil de tantas dádivas ao

redor de nossa vida. A mística é o exercício de suspender o declinar do tempo, para que,

de alguma forma, consigamos contemplar sua grandeza. Compartilho convosco essa

breve reflexão, tão pertinente em nosso tempo: o que há entre o nosso tempo e o de Deus?

Um abraço e abençoado final de semana.

***

“Devido à aceleração da nossa sociedade, muitas vezes, não nos apercebemos que a vida

é muito mais do que velocidade – especialmente a vida espiritual.

A vida espiritual é um processo de crescimento para a maturidade, com um erro, um

esforço malsucedido de cada vez, até que, finalmente, nos damos conta que um erro

espiritual é coisa que não existe. Basta que aprendamos com os erros para os transformar

a todos em ganho.

A oração e um espírito orante ajudam-nos a compreender que o processo é tão importante,

para a qualidade de vida, quanto a produtividade. A maneira como encaramos a vida é

tão importante para o seu resultado final como aquilo que fazemos enquanto vivemos. O

fato é que muito poucas coisas podem, realmente, ser forçadas antes do seu tempo. O

amor não pode ser forçado. O crescimento não pode ser forçado. A compreensão não

pode ser forçada. A aceitação não pode ser forçada. Tal como o nascimento, essas coisas

germinam na escuridão até chegarem ao amadurecimento – quer delas, quer nosso.

Conseguir apreciar a diferença entre o nosso tempo e o tempo de Deus é essencial para

nos tornarmos pessoas espirituais. O tempo de Deus é o que nos prepara para

funcionarmos bem no nosso tempo.

É fácil, por exemplo, ser-se «espiritual», quando nada nos desencoraja nem testa o nosso

ânimo, nem põe à prova os nossos corações. Mas é precisamente a experiência do

desencorajamento, nos nossos esforços, que nos pode fortalecer o suficiente para lidarmos

bem com aquilo que esperamos, seja o que for. Testar os nossos espíritos – ter que

verificar os nossos impulsos, uma e outra vez – ensina-nos, finalmente, a controlar a nossa

ira ou a abafar a nossa luxúria. É a dor da perda que nos ensina que nada se perde

realmente; simplesmente, tem de ser encontrado de outras formas.

Viver a vida de Deus significa aprender a «forrar-nos de paciência», como diziam os

antigos. Significa aprender a esperar que todas as nossas necessidades sejam respondidas

no tempo de Deus – e, de certa forma, que todos os nossos desejos sejam satisfeitos; de

certa forma, que todas as nossas esperanças sejam preenchidas; de certa forma, embora

não necessariamente da maneira como nós próprios teríamos feito.

Preparem-se, preparem-se, preparem-se. E depois esperem. No tempo de Deus, a sua

vontade será feita.” (Joan Chittister – O sopro da vida interior)

***

“Caríssimos, vamos recordar a obrigação que temos de fazer o bem e edificar o próximo

com o exemplo, com a conduta, com o discurso, com o comportamento e até mesmo com

o tom da nossa voz; devemos fazer assim devido ao grau a que aspiramos, pela vida que

levamos e pelas graças recebidas. Que os nossos propósitos, então, não permaneçam

estéreis e infrutíferos, e com a nossa indiferença não ponhamos obstáculos para os

desígnios da misericórdia de Deus. Que Jesus, Maria e José nos protejam e guardem hoje

e sempre.” (Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 12 de maio de 2023

XVI Meditação

Continuadores da missão educativa de Santa Paula

Queridos irmãos e irmãs! A paz esteja convosco. Na próxima terça-feira, dia 16 de maio,

iremos comemorar o 19° Aniversário de Canonização de Santa Paula Elisabete. Para nós

da Sagrada Família é uma alegria imensa, mas também uma grande responsabilidade

darmos continuidade a essa missão tão belíssima iniciada por ela. Teremos a oportunidade

de celebrarmos na próxima sexta-feira, mas compartilho convosco essa breve biografia e

uma meditação para conhecermos ainda mais a grandeza de Nossa Fundadora. Deus vos

abençoe grandemente!

***

Constância Honorata Cerioli, nasceu em 28 de janeiro de 1816 em Soncino (Cremona –

Italia). De família nobre, recebeu a primeira educação em casa e em seguida como interna

no Mosteiro da Visitação em Alzano Lombardo. Aos 19 anos casou-se com Caetano

Busecchi Tassis, de 58 anos. Deste matrimônio nasceram 4 filhos, três morreram logo,

enquanto o segundo, Carlos, viveu até os 16 anos. Em 1854 morreram o filho e o esposo.

Neste momento de dor, a partir de um grande processo de discernimento, aconteceu uma

transformação radical em sua vida. Contemplando Maria aos pés da cruz, Constância

entendeu o valor da maternidade espiritual, relembrando as palavras do filho Carlos no

momento da morte: “Mãe, não chore, o Senhor lhe dará muitos outros filhos”. Ela foi

iluminada pelo mistério de nossa Senhora das Dores que, junto à cruz, ouve de seu Filho

Jesus crucificado as seguintes palavras: “Mulher eis o teu filho”. A partir da participação

neste mistério, ela se abre a uma nova maneira de viver como mãe, acolhendo e se

deixando guiar em sua vocação materna pelos apelos de Deus nos filhos sem mãe e sem

esperança de futuro, especialmente da classe camponesa.

Abandonando os privilégios da sua condição nobre, em 1857 assumiu o nome de Irmã

Paula Elisabete, consagrando-se totalmente a Deus e acolhendo em seu palácio meninas

pobres e órfãs, dando início ao Instituto das Irmãs da Sagrada Família. Em 1863

conseguiu realizar seu grande desejo de iniciar uma obra também para os meninos pobres

do campo, dando início à Congregação dos irmãos e padres da Sagrada Família. Na total

doação de si, a condessa Constância tornou-se a simples Irmã Paula Elisabete, vivendo

com suas irmãs, irmãos e filhos de maneira pobre com os pobres.

Morreu na véspera do Natal de 1865, aos 49 anos de idade, deixando um grande exemplo

de vida cristã. Suas obras cresceram e a seu exemplo, seus seguidores inspirados pela

espiritualidade da Sagrada Família, são chamados à missão de evangelizar e educar, para

comunicar a todos a paternidade e maternidade de Deus que a todos ama e quer feliz.

Paula Elisabete foi proclamada bem-aventurada, pelo Papa Pio XII em 1950 e aos 16 de

maio de 2004, João Paulo II a declarou Santa.

***

“Irmãs caríssimas, lembremo-nos da obrigação que temos de fazer o bem e edificar o

próximo com os exemplos, com a conduta, com a fala, com a postura e até com tom de

nossa voz; a isso somos tidas pelo grau a qual aspiramos, pela vida que conduzimos e

pelas graças recebidas. Que os nossos propósitos não fiquem, portanto, estéreis e

infrutíferos que a nossa indiferença não coloque obstáculos aos desígnios da misericórdia

de Deus. Que Jesus, Maria e José nos protejam e nos guardem hoje e sempre.” (Santa

Paula Elisabete Cerioli).

Jandira, 05 de maio de 2023

XV Meditação

Ensina-nos a compaixão, misericórdia e ternura que esquecemos

«Vinde, retiremo-nos e repousai um pouco» (Marcos 6, 30-34)

“Os seus tinham regressado felizes daquele envio dois a dois, daquela missão em

que Ele os tinha lançado, uma peregrinação de Palavra e pobreza. Os doze encontraram

muita gente, empregaram a arte que tinham aprendido de Jesus: a arte da proximidade e

da carícia, da cura dos demónios do viver. Agora é o tempo do encontro com eles próprios,

de voltarem a ligar-se àquilo que acontece no seu espaço vital.

Há um tempo para cada coisa, diz o sábio de Israel, um tempo para agir e um

tempo para a interrogação sobre os motivos do agir. Um tempo para ir de casa em casa e

um tempo para ficar em casa entre amigos e consigo próprios.

Há tanto a fazer em Israel, doentes, leprosos, viúvas de Naim, lágrimas, todavia

Jesus, em vez de arremessar os seus discípulos para dentro do vórtice da dor e da fome,

leva-os consigo e ensina-lhes uma sabedoria do viver.

Vivemos hoje numa cultura em que o rendimento que tem de crescer e a

produtividade que deve estar sempre a aumentar nos convenceram que são os

compromissos que dão valor à vida. Jesus ensina-nos que a vida vale independentemente

dos nossos compromissos.

O fluxo imparável das pessoas chega-lhes inclusive àquele lugar afastado para

onde Jesus e os seus se afastaram. E Jesus, em vez de dar prioridade ao seu programa, dá￾a às pessoas. O motivo é dito em duas palavras: experimenta compaixão. Termo de uma

carga belíssima, infinita, termo que faz apelo às entranhas e indica um espasmo interior.

A primeira reação de Jesus: experimenta dor pela dor do mundo. E põe-se a ensinar muitas

coisas. Talvez houvesse, diríamos nós, problemas mais urgentes para a multidão: curar,

matar a fome, libertar; necessidades mais imediatas do que ouvir ensinamentos.

Talvez tenhamos esquecido que há uma vida profunda em nós que continuamos a

mortificar, a deixar à fome e à sede. É a esta que Jesus se dirige, como uma mão-cheia de

luz lançada ao coração de cada pessoa, iluminando-lhe o caminho.

Este Jesus que se põe à disposição, que não se poupa, que deixa que sejam os

outros a ditarem-lhe a agenda, generoso de sentimentos, entrega algo de grande à

multidão: «Pode dar-se o pão, é verdade, mas quem recebe o pão pode não ter necessidade

extrema dele. Mas de um gesto de afeto todo o coração exausto precisa. E cada coração

está exausto» (Ir. Maria di Campello).

É o grande ensinamento aos doze: aprender um olhar que tenha comoção e ternura.

As palavras nascerão. E isto vale para cada um de nós: quando aprendes a compaixão,

quando reencontras a capacidade de te comover, o mundo aninha-se na tua alma, e

tornamo-nos um só rio. Se ainda há quem saiba, entre nós, comover-se pelo ser humano,

este mundo ainda pode esperar. (Ermes Ronchi)

Jandira, 20 de março de 2023

XIV MEDITAÇÃO

EM LOUVOR DA PAZ

Meus queridos irmãos(ãs), a paz esteja convosco! Essa saudação tão simples, carrega em

si uma prece profunda e uma utopia urgente para o tempo presente. A paz é um dom

precioso, mas que se encontra constantemente ameaçado devido ao ritmo acelerado que

nossa cultura tem assumido, bem como diante de tantas tensões nas quais estamos sujeitos

em nosso cotidiano. Meditar sobre a paz e clamar ao Senhor por esse dom faz-se

necessário. Por isso compartilho convosco duas reflexões, uma de Santo Agostinho, no

século IV e outra de Santa Paula Elisabete. Que Deus vos abençoe grandemente e que

possamos aproveitar esses três dias para descansar e contemplar as belezas que circundam

a nossa vida. Fraterno abraço.

***

Louvor da paz

“Agora é o tempo de vos exortar a amar a paz com toda a força que o Senhor vos dá, e a

rezar ao Senhor pela paz. Que a paz seja nossa amada, nossa amiga; que vivamos com ela

nos nossos corações em união pura; possamos com ela saborear um sono cheio de

esperança, uma comunhão sem amargura. Sejamos verdadeiros amigos da paz. Que ela

nos abrace com sua doçura…. Aqueles que amam a paz devem ser elogiados. Aqueles

que odeiam a paz não devem ser provocados com censuras: é melhor começar a acalmá￾los com ensinamentos e com a estratégia do silêncio. Aqueles que amam verdadeiramente

a paz também amam os inimigos da paz. (…) Portanto, se amas a paz, quem quer que

sejas, tem compaixão por aqueles que não amam o que tu amas, por aqueles que não

possuem o que possuis. O objeto do vosso amor é de tal natureza que não traz inveja

daqueles que partilham convosco a mesma posse.

Que coisa boa é amar! Como é verdade que amar a paz é possuir um bem e que amá-la

já é possuí-la! Não há palavras adequadas para exaltar a paz, não há sentimentos

adequados para meditar sobre esta coisa extraordinária que é amar e possuir a paz… A

compra deste tesouro não requer qualquer preço. Não é necessário ir em busca de um

fiador para o alcançar. Aí está onde tu estás: basta que ames a paz, e ela está contigo. A

paz é um bem do coração e é comunicada aos amigos, mas não como o pão. Se quiserem

dar pão, quanto mais pessoas o partirem, menos têm para dar. A paz, em contrapartida, é

semelhante ao pão do milagre que cresceu nas mãos dos discípulos ao partirem-no e

distribuírem-no.

Cultivai a paz entre vós. Se quiseres atrair outros para a paz, deves tê-la em primeiro

lugar; sê tu, antes de mais, inabalável na paz. A fim de acender outros nela, vós próprios

deveis ter uma luz dentro de vós mesmos.

Tu, amigo da paz, reflete, e saboreia, primeiro, o encantamento da tua amada. Ergue-te

em amor, para que possas atrair outros para o mesmo amor, para que eles possam ver o

que vês, amar o que amas, possuir o que possuis. É como se a paz, a vossa amada, vos

falasse e dissesse: ‘Amai-me e ter-me-eis sempre. Convence todos aqueles que puderes a

amar-me com um amor casto, integral e permanente; cativa todos os que puderes.

Encontrar-me-ão, possuir-me-ão, encontrarão em mim a sua alegria’”. (Santo Agostinho.

Sermão 357”

***

“Tudo é vosso, meu Deus, como Aquele que fez tudo e doou tudo. Peço-vos, meu Deus,

a paz, pois nada mais desejo do que viver em paz. Dai-me, ó meu Deus, essa paz, tão doce

e própria dos vossos filhos, que preencheis de luzes e que cumulai de delícias. Se Vós

me comunicais esta paz tão doce, se Vós me fizerdes partícipe dessas delícias, a minha

alma cheia de alegria e de devoção não cessará de louvar-vos.” (Santa Paula Elisabete

Cerioli)

JANDIRA, 14 de abril de 2023

XIII MEDITAÇÃO

O MISTÉRIO DA RESSURREIÇÃO

Queridos(ãs), Irmãos(ãs). Concluímos mais uma semana, com a graça de Deus, marcados

por tantos sentimentos e preocupações: juntamente com a alegria da Páscoa, a tristeza

pelos últimos acontecimentos que impactaram a nossa missão educativa. As contradições

que fazem parte do nosso cotidiano podem, por vezes, nos fazer desviar do sentido e da

realização inerentes a arte que temos em nossas mãos: educar! Tarefa árdua, mas repleta

de significado, como grandiosamente Santa Paula expressou em sua célebre afirmação:

“Educar é dar uma segunda criação”. Interpreto essa “segunda educação” não como

mero apêndice da primeira ou como uma instrumentalização da mesma, mas orientado

pelo sentido pascal da novidade, criar no seu sentido espiritual, sendo parte de um projeto

muito maior do que realmente imaginamos atingir… mas atingimos. Que possamos

agradecer a Deus por tamanho dom, pedindo-Lhe a graça de nos sustentar na confiança e

no amor, sobretudo nos momentos mais difíceis. Deus abençoe grandemente!

***

“Por vezes, Deus vem ao nosso encontro através de perguntas e não de respostas. ’Onde

estás tu, Homem? Onde estás, Adão? Onde está o teu irmão, Abel?’ Numa Sexta-Feira

Santa ouvimos a difícil, escura pergunta de Jesus: “Meu Deus, Meu Deus por que Me

abandonaste?” Nesta pergunta, podemos ouvir o grito e as dúvidas de tanta gente que

sofreu no passado e no presente.

A Ressurreição é um mistério para responder a esta pergunta. A Ressurreição não é o final

feliz da história da Páscoa. A Ressurreição não é um fim, é um começo, um início.

Santo Agostinho dizia: ‘Rezar significa fechar os olhos e sentir que Deus está a criar o

mundo neste preciso momento.’ Os teólogos desenvolveram a noção de Creatio

Continua, a continuidade da criação. Há alguns anos atrás surgiu-me a estranha ideia

de que a ressurreição é também um processo contínuo. É a Ressurectio Continua, a

ressurreição a decorrer, a continuar.

A história da Igreja, a nossa própria história de vida, a história da nossa fé é uma

participação na ressurreição, é a Ressurectio Continua. A Ressurreição não é apenas um

evento histórico, é um processo dinâmico que decorre na profundeza da história e dos

nossos corações.

A conversão de S. Paulo (Saulo), a conversão de Santo Agostinho e a conversão de

pessoas comuns, como você e eu, é nada mais do que a participação no evento da

Ressurreição. Somos chamados a dar testemunho de que Cristo está vivo, de que

Cristo vive na nossa vida, na nossa Fé, na nossa esperança, no nosso riso.

Na Páscoa, Jesus veio ao encontro dos Seus Discípulos através da porta fechada do seu

medo. Cristo está sempre a abrir a porta do nosso medo. Veio ao encontro dos Seus

Discípulos como um estranho, um forasteiro. Então, os Seus Discípulos, e até Maria

Madalena, começaram por não O reconhecer. O apóstolo S. Tomé reconheceu-O através

das feridas. Jesus manifesta-Se sempre mostrando as Suas feridas. (…) Acreditar

significa ser confrontado com esta surpresa. A fé é a aventura de procurar e descobrir

Deus. Jesus disse: “Estou presente nos meus irmãos e irmãs menores.” Podemos descobrir

Deus nas profundezas da nossa relação com os outros. Nós somos convidados a dar

testemunho do Cristo Ressuscitado. Através da nossa misericórdia, do nosso perdão,

da nossa reconciliação e solidariedade podemos mostrar a paz do paraíso aqui na

terra.

Desejo-vos, portanto, que sejam aqueles que mostram a paz do paraíso na terra. Pela vossa

misericórdia, pelo vosso perdão, pela vossa reconciliação. Pela nossa vitória sobre o

medo, o ódio e o espírito de vingança. Esperamos o Espírito do Senhor. Que o Espírito

do Senhor nos dê a força para sermos testemunhas de Cristo vivo, na nossa era.” (Tomás

Halik – Homilia Pascal)

Jandira, 06 de abril de 2023

XII Meditação

ALELUIA! CRISTO RESSUSCITOU!

Caríssimos, Irmãos(ãs). Eis que nos aproximamos da Páscoa, o evento que

configura a grandeza do agir de Deus e de seu amor irrestrito por cada um de seus filhos.

Com a correria dos dias, com o forte apelo comercial que sobrevém a essas datas festivas,

que possamos reservar um momento para pensar no sentido profundo da Páscoa,

sentindo-nos, de fato, amados por Deus até às últimas consequências, certos de que,

embora caminhemos em meio às dificuldades e desafios, Deus não nos desampara e quer

estar ao nosso lado, caminhando conosco. Aleluia! Cristo Ressuscitou! Uma feliz e

abençoada Páscoa a todos!

***

“Aleluia”

“A palavra aleluia reúne dois termos hebraicos: hallelū, que significa “louvai” e

Yāh, a abreviação do nome divino Iahveh. Trata-se, por isso, de uma doxologia, de uma

fórmula de louvor. “Louvai a Deus”, “enchei o espaço de glórias”, “entoai os seus

louvores”, podia-se traduzir assim esta que é uma das reverberações emblemáticas da

Páscoa cristã. Recordo que quando o cardeal Jean-Marie Lustiger, que tinha origens

judaicas e foi arcebispo de Paris, entrou como membro da Academia Francesa, um

jornalista lhe perguntou qual era para ele a palavra mais bela em francês. E ele respondeu

sem hesitar: “A palavra aleluia.” Também em português essa é a palavra mais bela.

Porque nos retira da fatalidade da história, desmente a irreversibilidade da morte, rompe

uma brecha, assegura uma visão nova da realidade e uma forma inédita de a habitar. Na

palavra aleluia está impressa a maior das pretensões cristãs. Acreditar que aquele Jesus

de Nazaré ressuscitou e que essa notícia, que nos espanta absolutamente, revela o absoluto

de Deus no nosso destino.

É verdade que repetimos a palavra aleluia no provisório. Existem ainda as

lágrimas e o luto, a ameaça e o cerco, a desolação e o extremo do sofrimento. O nosso

corpo, chamado a testemunhar a emergência do definitivo, não deixa de ser vulnerável e

ferido. O nosso amor, a nossa fé, a nossa esperança continuam precários, inacabados ou

imperfeitos. Mas na insurrecta notícia da ressurreição somos levantados do chão, alçados

por essa força que o próprio Cristo nos dá.

A ressurreição de Jesus é a reviravolta operada por Deus. Com essa ação, a história

ultrapassa o que parecia o seu estreito horizonte irremovível. De fato, três dias depois,

quando já não há mais esperança alguma, quando habitualmente se torna irreversível o

processo de decomposição, Maria Madalena vai ao sepulcro e descobre que ele está vazio.

Vem depressa, doida de alegria, dizer aos discípulos e eles, por sua vez, desatam a correr

para o sepulcro. Este é o dia em que as personagens bíblicas estão imparáveis. Porque o

inacreditável aconteceu. O que os cristãos celebram na Páscoa é uma verdade

inacreditável. É a insurreição, o levantamento, o recontar da história como não a tínhamos

pensado, pois aquele Jesus que desceu mais fundo do que se pode descer, aquele que foi

até à aniquilação para abraçar as nossas feridas, ressuscitou. E quando ele se levanta,

também a nossa vida se ergue de pé.

Quando os discípulos rolaram a pedra para fechar o sepulcro onde colocaram Jesus

era como se um ponto final tivesse sido colocado naquela (e na nossa) história. Tem de

ser, temos de nos conformar, aceitar esta redução a cinzas, compreender que é assim, que

não há mais nada a fazer e que, no fundo, a morte ganha sempre. Olhamos para o mundo

e para nós próprios e sabemos que, tarde ou cedo, a morte vence. Mas a inversão ocorreu.

“Ó morte onde está a tua vitória?”, perguntamos agora. E tudo o que existe bate palmas,

tudo o que respira louva. A vida que vimos tão ameaçada, tão retida pelos laços da morte,

essa vida soltou-se. A vida é maior do que a morte, pois Deus é capaz de recriar e de

reconstruir.

Há um copista medieval que introduziu, talvez por engano ou talvez num esforço

de interpretação, uma mudança na conhecida antífona “ressuscitou como disse”. Ele

escreveu: “ressuscitou conforme amou”. O mistério da sua Ressurreição é um

acontecimento que somos chamados a tatear por dentro do amor. Amar é dizer ao outro:

tu não morrerás. É isso que Jesus garante na sua Páscoa.” (José Tolentino Mendonça)

***

“Tudo é vosso, meu Deus, como Aquele que fez tudo e doou tudo. Peço-vos, meu Deus,

a paz, pois nada mais desejo do que viver em paz. Dai-me, ó meu Deus, essa paz, tão doce

e própria dos vossos filhos, que preencheis de luzes e que cumulai de delícias. Se Vós

me comunicais esta paz tão doce, se Vós me fizerdes partícipe dessas delícias, a minha

alma cheia de alegria e de devoção não cessará de louvar-vos. Eu me coloco em vossas

mãos, meu Deus.” (Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 31 de março de 2023

XI Meditação

A Páscoa se aproxima: olhemos o presente com coragem e o futuro com esperança

Com a proximidade da Páscoa, nossos corações devem estar palpitantes diante da

imensa glória que se revela com o mistério da Ressurreição de Jesus. Os dias têm passado

numa velocidade vertiginosa, mas espero que tenhamos conseguido dar passos

significativos diante de nossa experiência espiritual neste percurso que nos é proposto.

Próximos da Grande Semana, convido-vos a meditar sobre duas importantes que

conversões necessárias diariamente para que tenhamos a sensibilidade para perceber a

presença de Deus nas dobras dos nossos dias.

Deus abençoe imensamente as vossas vidas.

Conversão à realidade

«Quando veio a plenitude do tempo» (Gálatas 4, 4). Com estas palavras, Paulo anuncia o

mistério da encarnação. O Deus cristão é o Deus da história; é-o a tal ponto, que decidiu

encarnar-se num espaço e num tempo precisos. É impossível dizer o que Deus viu de

particular naquele tempo preciso, a ponto de o eleger como o momento apropriado para

a encarnação. Decerto a presença do Filho de Deus entre nós foi a prova definitiva de

quanto a história dos seres humanos é importante aos olhos do Pai.

A época em que Jesus viveu não se pode, certamente, definir como a idade do ouro: pelo

contrário, a violência, as guerras, a escravidão, as doenças e a morte eram muito mais

invasivas e frequentes na vida das pessoas do que o são hoje. Naquela época e naquela

terra morria-se seguramente mais e com maior dramática facilidade do que acontece hoje.

E todavia, naquela circunstância da história humana, apesar das suas sombras, Deus viu

e reconheceu «a plenitude dos tempos».

A ancoragem à realidade histórica caracteriza, portanto, a fé cristã. Não cedamos à

tentação de um passado idealizado ou de uma expetativa do futuro desde a sacada da

janela. Antes, é urgente a obediência ao presente, sem se deixar vencer pelo medo que

paralisa, pelos lamentos ou pelas ilusões. A atitude do cristão é a da perseverança: «Se é

o que não vemos que esperamos, então é com paciência que o temos de aguardar»

(Romanos 8, 25). Esta perseverança é o comportamento quotidiano do cristão que sustém

o peso da história (cf. 2 coríntios 6, 4), pessoal e comunitária.

Nos primeiros meses da pandemia assistimos a um sobressalto de humanidade, que

favoreceu a caridade e a fraternidade. Depois este impulso inicial foi aos poucos

esmorecendo, dando lugar ao cansaço, à desconfiança, ao fatalismo, ao fechamento em si

próprio, à culpabilização do outro e ao descompromisso. Mas a fé não é uma varinha

mágica. Quando as soluções para os problemas requerem percursos longos, é preciso

paciência, a paciência cristã, que foge de atalhos simplistas e permite permanecer sólido

no compromisso pelo bem de todos, e não para uma vantagem egoísta ou de fação. Não

terá sido esta, talvez, “a paciência de Cristo” (2 Tessalonicenses 3, 5), que se exprimiu

em grau supremo no mistério pascal? Não terá sido, talvez, esta a sua firme vontade de

amar a humanidade sem se lamentar e sem se poupar? (cf. João 13, 1)?

Como comunidade cristã, mais do que como crentes singulares, devemos reapropriar-nos

do tempo presente com paciência e permanecer na adesão à realidade. Sentimos, por isso,

que é urgente a tarefa eclesial de educar para a verdade, contribuindo para colmatar a

diferença entre realidade e falsa percepção da realidade. Nesta “separação” entre a

realidade e a sua percepção aninha-se o gérmen da ignorância, do medo e da intolerância.

Mas é esta a realidade que nos é dada e que somos chamados a amar com perseverança.

Esta segunda conversão diz então respeito ao compromisso em documentar-se com

seriedade e liberdade de mente, e a suportar que há problemas que não podem ser

resolvidos em breve tempo e com pouco esforço. Que pré-compreensões rígidas impedem

de nos deixarmos convencer pelas novidades que provêm da realidade. De quanta

paciência é capaz o coração dos crentes na construção de soluções para a vida das pessoas

e da sociedade?

Conversão à espiritualidade

Permanecer fiéis à realidade do tempo presente não equivale, no entanto, a ficar pela

superfície dos fatos nem a legitimar cada situação em curso. Trata-se, antes, de colher «a

plenitude do tempo» ou de vislumbrar a ação do Espírito, que torna cada época um

«tempo oportuno».

A época em que Jesus viveu foi fundamental por via da sua presença no interior da história

humana e, em particular, de quem entrava em contato com Ele. Os seus discípulos

continuaram a viver a sua vida naquele contexto histórico, com todas as suas contradições

e os seus limites: mas a sua companhia modificou o modo de estar no mundo. O Mestre

de Nazaré ensinou-os a serem protagonistas daquele tempo através da fé no Pai

misericordioso, a caridade para com os últimos e a esperança num renovamento interior

das pessoas. Para os discípulos, foi Jesus que deu sentido a uma época que, de outra

forma, teria tido outros critérios humanos para ser julgada.

Após a sua morte, da ausência física de Jesus floresceu a vida eterna do Ressuscitado e a

presença do Espírito na Igreja: «Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito para que

esteja sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque

não o vê nem o conhece; vós é que o conheceis, porque permanece junto de vós, e está

em vós. Não vos deixarei órfãos» (João 14, 16-18; cf. Atos 2, 1-13). O Espírito pede ao

crente para considerar ainda hoje a realidade em chave pascal, como Jesus testemunhou,

e não como o mundo a vê. Para o discípulo, uma derrota pode ser uma vitória, uma perda

uma conquista. Começar a viver a Páscoa, que nos atende no termo do tempo da

Quaresma, significa considerar a história na ótica do amor, mesmo se este comporta

carregar a cruz própria e do outro (cf. Mateus 16, 24; 27, 32; Colossenses 3, 13; Efésios

4, 1-3).

O caminho sinodal está a fazer amadurecer nas Igrejas (…) um modo novo de escutar a

realidade para a julgar de modo espiritual e produzir opções mais evangélicas. O Espírito,

com efeito, não aliena da história: enquanto radica no presente, impele a mudá-lo para

melhor. Para se permanecer fiel à realidade e tornar-se, ao mesmo tempo, construtor de

um mundo melhor, requer-se uma interiorização profunda do estilo de Jesus, do seu olhar

espiritual, da sua capacidade de ver por todo o lado ocasiões para mostrar quanto é grande

o amor do Pai.

Talvez não sejamos ainda suficientemente livres de coração para reconhecer estas

oportunidades de amor, porque travados pelo medo ou condicionados por expectativas

irrealistas. Enquanto o Espírito, em vez disso, continua a trabalhar como sempre. Que

ação do Espírito é possível reconhecer neste nosso tempo? Indo para além dos meros fatos

que acontecem no nosso presente, que leitura espiritual podemos fazer da nossa época,

para progredir espiritualmente como pessoas singulares e como comunidade crente?

***

“Permaneçam unidas a Ele e não se cansem de esperar; aceitem de bom coração tudo

aquilo que virá; permaneçam em paz na dor, e na hora da humilhação conservem a

paciência: porque o ouro e a prata são purificados no fogo, mas os Homens que Deus quer

receber no número dos seus, Ele os prova no cadinho da humilhação e da dor. Portanto,

tenham confiança em Deus; Ele irá defendê-las de todos os males. Esperem nele,

mantenham o temor por Ele, vigilem no seu amor.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 24 de março de 2022

X MEDITAÇÃO

OS NEURÔNIOS ESPELHO DE JESUS

“Jesus também tinha neurônios espelho. Como quando estava diante do túmulo do amigo Lázaro: Maria chora, choram os judeus vindos com ela, e Jesus, vendo-os chorar assim, desata em lágrimas também Ele (cf. João 11, 1-45, 5.º Domingo da Quaresma).

Em Jesus entraram em funcionamento os neurônios espelho, uma classe de neurônios que se ativam seletivamente quer quando se realiza uma ação (com a mão ou com a boca) quer quando se a observa quando é realizada por outros (em particular se implicados conosco).

Quando Jesus observa Maria a chorar, ativam-se, no seu cérebro, os mesmos neurônios que entram em ação quando é Ele a experimentar aquela mesma emoção e a realizar aquela mesma ação, “refletindo” o que acontece na mente de Maria. E, portanto, comove-se.

Nós somos feitos assim: quando observamos nos outros uma manifestação de tristeza (ou de outro sentimento) ativam-se por um mecanismo empático circuitos neurais semelhantes àqueles que modulam as expressões das emoções. Somos feitos para partilhar as emoções e o que é vivido por quem está próximo de nós, da alegria à dor, com tudo aquilo que pode estar no meio. E também Jesus, um homem até ao fundo, era feito assim.

No entanto, até aqui nada de extraordinário. O que espanta em Jesus é como

conseguia partilhar as emoções dos outros e até que ponto conseguia assumir a sua experiência. «Vê como o amava!», exclamam os judeus ao vê-lo chorar pelo amigo Lázaro. É verdadeiro homem, portanto comove-se porque compartilha a dor de Maria; é verdadeiro Deus, por isso fá-lo até ao fundo, com um total envolvimento de si.

“Como” é que Jesus amava Lázaro? Compartilhando até ao fundo o drama da sua morte, implicando-se totalmente naquela dor, saindo de si para estar com o corpo, com o sangue, com a alma e com a divindade ali onde estavam os outros. E é por isso que Jesus convence: porque Ele é tão homem ao ponto de se revelar Deus.

Se também nós queremos testemunhar a boa notícia da amizade e da paternidade de Deus, devemos fazer como Jesus: viver até ao fundo a nossa humanidade como Ele fez, até ao ponto de fazer exclamar a quem nos encontra: «Olha como ama! Olha como consegue estar junto de mim! Olha como compreende o que estou a viver!».

Devemos voltar a estar junto à dor de quem sofre, devemos chorar com quem chora e alegrar-nos com quem é feliz. Devemos fazê-lo com o corpo e com as emoções, com as lágrimas e com sorrisos, com tempo gasto lado a lado de quem dele precisa. E devemos fazê-lo de maneira extraordinária.

Também nós, como Jesus, temos neurónios espelho. Temos também o seu Espírito, que nos permite fazê-los funcionar É assim que podemos realmente amar como Jesus.”

(Alberto Ravagnani)

***

“Jesus Cristo queria que o próximo fosse amado por cada Homem como a si mesmo: “Amar o próximo – dizia – como a si mesmo”. Sob o nome de próximo estava compreendido todo Homem, conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo, de qualquer nação ou religião… “Amai – dizia – os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem!” (…)

Cristo estava sujeito à dor; seu coração se contristava como o de um homem; Ele nunca demonstrou cólera, a não ser contra a dureza de alma e a insensibilidade. Repetia constantemente: “O que eu vos mando é que vos ameis uns aos outros”29. “Pai – Ele dizia sob o ferro do carrasco –, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem! (…)

Jesus se inflamava de amor pelos homens: sua Encarnação, sua vida terrena, sua paixão e morte, a instituição admirável do Santíssimo Sacramento nos dão uma certa

prova disso. Vamos imitá-lo amando o nosso próximo como a nós mesmas, servindo-o, tendo piedade por suas falhas e fraquezas, estando prontas a dar até mesmo a nossa vida por eles.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 17 de Março de 2023

IX MEDITAÇÃO

“COM CORAÇÃO DE PAI: ASSIM JOSÉ AMOU A JESUS”

Queridos irmãos(ãs), a paz esteja com cada um de vocês. Peço-vos a licença de

interromper a nossa sequência de meditações sobre a quaresma, para uma pequena

reflexão sobre São José, que será celebrado no dia 19 de março. São José ocupa um lugar

privilegiado na devoção de Santa Paula, como sendo o autêntico fundador da obra que o

Senhor a entregou para cuidar e zelar, obra na qual hoje também nós, após tantos anos,

corajosamente continuamos, olhando para o tempo presente sem nos esquecermos de

nossas raízes carismáticas. Neste sentido, compartilho convosco um breve trecho da carta

apostólica de Papa Francisco intitulada Patris Corde (Coração de Pai) e uma reflexão de

Santa Paula sobre a presença de São José em nossas obras.

Deus vos abençoe imensamente e obrigado pelo maravilhoso trabalho que desempenham.

***

Pai no acolhimento

José acolhe Maria, sem colocar condições prévias. Confia nas palavras do anjo. «A

nobreza do seu coração fá-lo subordinar à caridade aquilo que aprendera com a lei; e hoje,

neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José

apresenta-se como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de

todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida

sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento».

Na nossa vida, muitas vezes sucedem coisas, cujo significado não entendemos. E a

nossa primeira reação, frequentemente, é de desilusão e revolta. Diversamente, José deixa

de lado os seus raciocínios para dar lugar ao que sucede e, por mais misterioso que possa

aparecer a seus olhos, acolhe-o, assume a sua responsabilidade e reconcilia-se com a

própria história. Se não nos reconciliarmos com a nossa história, não conseguiremos

dar nem mais um passo, porque ficaremos sempre reféns das nossas expectativas e

consequentes desilusões.

A vida espiritual que José nos mostra, não é um caminho que explica, mas um

caminho que acolhe. Só a partir deste acolhimento, desta reconciliação, é possível intuir

também uma história mais excelsa, um significado mais profundo. Parecem ecoar as

palavras inflamadas de Jó, quando, desafiado pela esposa a rebelar-se contra todo o mal

que lhe está a acontecer, responde: «Se recebemos os bens da mão de Deus, não

aceitaremos também os males?» (Job 2, 10).

José não é um homem resignado passivamente. O seu protagonismo é corajoso e forte. O

acolhimento é um modo pelo qual se manifesta, na nossa vida, o dom da fortaleza que

nos vem do Espírito Santo. Só o Senhor nos pode dar força para acolher a vida como ela

é, aceitando até mesmo as suas contradições, imprevistos e desilusões.

A vinda de Jesus ao nosso meio é um dom do Pai, para que cada um se reconcilie com a

carne da sua história, mesmo quando não a compreende totalmente.

O que Deus disse ao nosso Santo – «José, Filho de David, não temas…» (Mt 1, 20) –,

parece repeti-lo a nós também: «Não tenhais medo!» Acolher a vida desta maneira

introduz-nos num significado oculto.

A realidade, na sua misteriosa persistência e complexidade, é portadora dum sentido da

existência com as suas luzes e sombras. É isto que leva o apóstolo Paulo a dizer:

«Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28

Assim, longe de nós pensar que crer signifique encontrar fáceis soluções consoladoras.

Antes, pelo contrário, a fé que Cristo nos ensinou é a que vemos em São José, que não

procura atalhos, mas enfrenta de olhos abertos aquilo que lhe acontece, assumindo

pessoalmente a responsabilidade por isso.

(Papa Francisco. Patris Corde)

***

“Seja cultivada também a devoção a São José, a quem a Casa é consagrada e de quem o

Instituto recebe a sua fundação. Ele é o advogado potente junto do Senhor e nele temos

que colocar toda a nossa confiança, olhando-o como Pai, conselheiro e protetor especial!

Tenha coragem, confie em São José, grande modelo dos Pais de Família, que ele irá

iluminá-lo e orientá-lo em seu governo, certamente estará em seu coração, como mostram

as evidências contínuas que nos dá, que nos deu e que continuará a nos dar. Espero isso

para a maior glória de Deus.”

 (Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 03 de março de 2023

VII Meditação

“A vida é mais!”

Hoje, dia 03 de março é comemorado o DIA DA ORAÇÃO. A oração é um

modo privilegiado de esculpir em nós uma morada capaz de fazer habitar o

sagrado, ao mesmo tempo que nos permite olhar para nós mesmos com

confiança, realismo e desejo de progredir. Ao orarmos, colocamos nas mãos

de Deus as nossas angústias, os nossos desafios, os nossos desejos, mas

também, a beleza de nossas conquistas. Nesse sentido, pergunto: com que

frequência refletimos sobre a beleza de nossas vidas? Reconhecemos que

Deus nos deu um grande presente ao nos conceder a vida?

Às vezes, as circunstâncias não nos permitem enxergar a beleza que existe

em tudo o que é de Deus. No entanto, Deus nos colocou nesta terra por uma

razão e somos totalmente dependentes Dele para tudo. Nem sempre podemos

desfrutar de tudo o que queríamos em nossa vida, no entanto, temos que

lembrar que ela é um presente que devemos valorizar.

Quando reconhecemos nossa vida como um dom, ficamos mais dispostos a

oferecê-la aos outros e encaramos cada momento como uma

oportunidade de fazer o bem. Ao concluirmos este “dia da oração”

reservemos alguns minutos para contemplar as maravilhas que Deus,

sutilmente ou de modo claro, tem operado em nossas vidas.

Deus abençoe e um maravilhoso final de semana!

***

“Talvez, Senhor, tudo parta daqui: deste sentimento irremovível de que a

vida é mais. É mais bela e feia, mais justa e injusta, mais positiva e negativa,

mais poderosa e frágil, mais ampla e miniatural do que aquilo que eu posso

controlar, com os instrumentos que normalmente estão ao meu dispor: a

vontade, a razão ou o desejo.

A vida é sempre mais. O seu turbilhão ou a sua marcha lenta; a sua

inquietude ou o seu estado inerme, apagado; a sua pulsão vital declarada,

quase estonteante, e, ao mesmo tempo, a sua discrição que me obriga a

aplicar bem o ouvido se a quiser captar.

A vida é maior. E, por isso, tantas vezes, perante a grandiosidade da vida

sinto o fascínio e o estilhaço, sinto uma espantosa empatia e um medo que

paralisa, pois ela ultrapassa-me, foge-me a cada instante, resiste-me

indecifrável.

Ajuda-me, Senhor, a ser humilde perante a vida, pois é mais aquilo que

desconhecemos do que aquilo sobre o qual podemos falar. Dá-me a

capacidade de abraçar a vida quando ela não for exatamente aquilo que eu

previ.”

| José Tolentino Mendonça • “Rezar de olhos abertos”.

***

“[Caríssimos], vamos procurar neste dia, tanto quanto pudermos, ter o

coração sempre em Deus e Deus sempre no coração. Amemos somente a Ele

e não pensemos senão nele; não desviemos o olhar de sua presença, seja em

companhia, seja quando estamos sós. Sua Santa vontade e a sua glória seja o

objetivo de todas as nossas ações. Que não tenhamos outro motivo para o

nosso falar, e que recebamos a paga pelas nossas fadigas somente Dele. A

vida de Cristo seja o nosso exemplo.”

Santa Paula Elisabete Cerioli

Jandira, 24 de fevereiro de 2023

VI MEDITAÇÃO

QUARESMA: TEMPO FAVORÁVEL PARA A TRANSFORMAÇÃO

Queridos irmãos e irmãs, proponho-vos essa breve meditação sobre o tempo quaresmal

com o propósito de vos convidar a dedicar momentos para avaliar e discernir os passos

dados para um qualitativo crescimento espiritual, no qual somos chamados

cotidianamente, sobretudo no que se refere à caridade, virtude preciosa. Esse é um tempo

favorável para esse percurso de crescimento e transformação interior e exterior. Deus vos

abençoe grandemente!

Evangelho (Mt 6,1-6.16-18)

“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: ‘Ficai atentos para não praticar a vossa

justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis

a recompensa do vosso Pai que está nos céus. Por isso, quando deres esmola, não toques

a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem

elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao

contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão

direita, de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te

dará a recompensa. Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar

em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em

verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando orares, entra

no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que

está escondido, te dará a recompensa. Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste

como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão

jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando

jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que estás

jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido,

te dará a recompensa”.

***

“A quaresma é uma proposta de discernimento e mudança. Os instrumentos práticos que

apresenta para que operemos esta transformação espiritual são de ordem prática, não

abstrações: o jejum, a oração e esmola. O jejum é uma experiência de privação voluntária

(de alimento ou de um tipo de alimentos; de dependências de todo o género, pequenas e

grandes; dos consumos fáceis a que nos permitimos, etc.), adotando um estilo

assumidamente frugal que ajude a devolver-nos liberdade. A oração volta o nosso

olhar para Deus, para as coisas grandes e amplia a nossa respiração. A esmola retiranos do conforto autorreferencial. Torna objetivos a compaixão, a solidariedade e o

cuidado que nos permitem passar da indiferença à responsabilidade pelos outros,

sobretudo os mais vulneráveis.”

(José Tolentino Mendonça).

***

“Caríssimos, não pensem que a caridade consista apenas em fazer grandes coisas e, assim,

passem a negligenciar os pequenos atos desta virtude que são tão necessários e

frequentes, especialmente nas comunidades religiosas, pois formam – pode-se dizer – a

felicidade, como formam a paz e a concórdia das famílias. Através da caridade, o ser

humano ama e está unido a Deus, e Nele e por Ele ama o seu próximo como a si mesmo.

Mas estejam atentos para conquistar a verdadeira caridade ensinada por Jesus Cristo, visto

que existe uma falsa caridade, que, revestida com o manto da verdadeira, fará com que

vocês considerem como efeito da caridade o gênio, as inclinações e até mesmo as

paixões.(…) Oh, caridade! Virtude preciosa, virtude divina, elo do coração, felicidade dos

Mosteiros! Feliz aquela casa, aquele Instituto no qual o amor mútuo reina, vivo e

duradouro! O Senhor fará ali a sua morada, que permanecerá firme às agressões e à

violência dos ímpios, caso quisessem sacudi-la; provocará a ira dos Demônios, que não

poderão morar nela, e alegria e complacência nos Anjos do Céu.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 17 de fevereiro de 2023

Busquemos a integralidade!

Ao término de mais uma semana, ofertamos ao Senhor o fruto de nosso trabalho,

de nosso empenho, das nossas conquistas, mas também dos desafios

encontrados. A Ele elevamos a nossa gratidão, certos de que caminha conosco

em cada passo que damos. Deus abençoe imensamente a vossa vida e de vossos

familiares, e que neste feriado possamos encontrar momentos para estarmos

com os nossos, mas, de modo particular, também para estarmos conosco

mesmos, descobrindo aquele santuário interior onde podemos renovar as nossas

forças e esperanças. Compartilho essa breve reflexão de Papa Francisco sobre a

importância de pensarmos na integralidade de nosso ser e agir, bem como uma

prece de Santa Paula que sempre procuro fazer no início de meu dia e divido

convosco.

Um fraterno abraço!

“Educar não é só transmitir conceitos, isto seria uma herança do iluminismo que

deve ser superada, ou seja, não é apenas transmitir conceitos, mas é uma tarefa

que exige que todos os responsáveis por ela — família, escola e instituições

sociais, culturais, religiosas… — participem na mesma de modo solidário. Neste

sentido, nalguns países diz-se que o pacto educativo se quebrou porque falta

esta participação social na educação. Para educar é preciso buscar a integração

da linguagem da cabeça com a linguagem do coração e a linguagem das mãos.

Que um aluno pense no que sente e faz, sinta o que pensa e faz, faça o que

sente e pensa. Integração total. Ao promover a aprendizagem da cabeça, do

coração e das mãos, a educação intelectual e socioemocional, a transmissão dos

valores e virtudes individuais e sociais, o ensino da cidadania engajada e solidária

com a justiça, e a transmissão das competências e conhecimentos que formam

os jovens para o mundo do trabalho e da sociedade, as famílias, as escolas e as

instituições tornam-se veículos essenciais para o empowerment da próxima

geração.

Papa Francisco

“Senhor, o que queres que eu faça? Fazei-me conhecer a Tua santa vontade!”

Santa Paula Elisabete Cerioli.

Jandira, 10 de fevereiro de 2023

IV Meditação

Fé: Dom de Deus

Cultivando a fé, acreditamos no Deus Criador, que é o Pai, no Deus Salvador, que é Jesus

Cristo e no Deus Santificador, que é o Espírito Santo. Cultivando a fé, compreendemos que o

Altíssimo é uno e trino e que tudo isso nos foi revelado nas Sagradas Escrituras. No dia a dia, nós

usamos muito a fé. Temos fé nas pessoas, às vezes até em pessoas em quem não sabemos se podemos

confiar. Por exemplo: quando entramos em um ônibus ou em um avião, acreditamos que o motorista

ou o piloto são habilitados para nos transportar e nós nem os conhecemos, porém acreditamos neles.

E Deus, que criou todas as coisas e nos deu a faculdade de pensar, de raciocinar, de acreditar? Temos

muito mais motivos para acreditar n’Ele, para confiar n’Ele, para nos abandonar livremente em Suas

mãos.

A fé que devemos cultivar em relação a Deus é muito mais segura do que a fé que naturalmente

temos nas pessoas. Santa Teresa de Calcutá dizia: “Eu sei que o meu trabalho é como uma gota no

oceano, mas, sem ele, o oceano seria menor”. Fé é conhecimento e confiança e possui sete

características:

1. A fé é uma pura dádiva de Deus, que nós obtemos se intensamente a pedirmos;

2. A fé é a força sobrenatural de que necessariamente precisamos para alcançar a salvação;

3. A fé requer a vontade livre e a lucidez do ser humano quando ele se abandona ao convite

divino;

4. A fé é absolutamente segura porque Jesus o garante;

5. A fé é incompleta enquanto não se tornar operante no amor;

6. A fé cresce na medida em que escutamos cada vez melhor a Palavra de Deus e permanecemos

com Ele, na oração, em vivo intercâmbio;

7. A fé permite-nos já a experiência do alegre antegozo do Céu.

Mas a fé é muito mais que “conhecimento”, ela significa “misteriosa certeza”. E esta é a fé que

fez Abraão mudar-se para a Terra Prometida, esta é a fé que fez os mártires perseverarem até à morte,

esta é a fé que ainda hoje mantém de pé os cristãos perseguidos. Uma fé que compreende todo o ser

humano… Se tiverdes uma fé comparável a um grão de mostarda, direis a este monte: “Muda-te daqui

para acolá”, e ele há-de mudar-se. E nada vos será impossível (Mt 17,20). Crer significa sustentar,

durante toda a vida, a incompreensibilidade de Deus, permitindo-se confiar e aceitar também os dons

inesperados Dele.

***

“‘Mas o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar fé sobre a terra?’, disse um dia o

Salvador a seus Discípulos, em um momento de desabafo, de tristeza e de amor que lhe eram tão

frequentes. Imaginemos que essas palavras sejam ditas a nós pelo Senhor. O que vamos responder?

É a fé que domina nossos pensamentos? Que governa nossas ações, nossas obras, nossos desejos?

Cada uma de nós entre no próprio coração e examine se a fé vive dentro dele, ou se a fé está dormindo

ou é aparente. Vamos nos recomendar à Virgem Santa, para que ilumine nossas mentes, seja nossa

Mestra, fale aos nossos corações, e nos faça viver, trabalhar e concluir a nossa peregrinação na Fé.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 27 de janeiro de 2023


O término de uma semana laboral é oportunidade para realizarmos dois

movimentos: colhermos os frutos de nosso trabalho, avaliando seus progresso

e desafios; e planejar nossa ação para a novidade que nos aguarda. Mas só é

possível que esse percurso seja realizado com serenidade na medida em que

nos permitirmos habitar o silêncio e o recolhimento, esculpindo com

entusiasmo a sagrada matéria de nossa vida. Deus abençoe imensamente a

todos, e obrigado pelo empenho nesta missão árdua, mas tão bela que é

ensinar.

***

Descer à casa do Oleiro



“A vida é completamente táctil. Não é possível reproduzi-la em série nem

encontrá-la feita noutro lado. A vida requer a paciência do oleiro que, para fazer

um vaso que o satisfaça, faz duzentos só a treinar o gesto, a habilidade, a

testar a sua ideia. Ou requer a esperança de quem faz e refaz numa confiada

sucessão de começos. Não é de espantar, por isso, o que nos vem contado

no livro do profeta Jeremias:

“A palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias, deste modo: ‘Levanta-te, desce à

casa do oleiro, pois lá te farei ouvir as minhas palavras” (Jr 18,2).

Há um sentido e uma palavra de Deus que se colhe apenas na oficina do oleiro,

contemplando a incessante dedicação das mãos, na sua dança humílima e sem

tempo, que trabalham o barro como se rezassem.

Um texto do poeta Rainer Maria Rilke sobre o escultor Rodin (e o escultor tem

sempre alguma coisa de oleiro) recorda um ulterior aspecto, talvez até

marginal, mas que vale a pena guardar: todos os que trabalham com as mãos

conhecem melhor a necessidade do silêncio.”

(José Tolentino Mendonça – “A Mística do Instante”)

***

“Senhor, desfaça-me e refaça-me até que eu viva somente para vós.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)

Jandira, 20 de janeiro de 2023


Ao término desta semana, convido-vos a louvar ao Senhor por todas as

vivências, desafios e aprendizados que juntos realizamos. A vida, esse belo

mistério, é dom amado por Deus, vocação frágil confiada ao nosso cuidado;

ao mesmo tempo somos chamados a contemplar a Beleza, sinal de esperança

e sentido. Sempre acreditei que a escola deve ser uma oficina de fraternidade

e de sensibilidade para contemplar as belezas da vida. Por isso, partilho

convosco essa meditação. Deus vos abençoe grandemente!


VOCAÇÃO: UM CHAMADO À BELEZA


“Gosto de pensar que a mesma raiz etimológica une, em grego, o adjetivo

“belo” (“kalós”) e o verbo “chamar” (“kaléo”). A beleza surge assim como

um chamado.

Cada vocação humana é a resposta à atração de alguma coisa (ou de alguém!)

que nos chama. Sem este apelo fundamental, a nossa vida seria privada de

motivação, e cada vez mais distante da sua realização autêntica.

A verdade é esta: se a alegria do encontro, se a surpresa de um

enamoramento, de um «que belo!» gritado com o coração, não precede as

renúncias ou os sacrifícios, estes não geram a não ser tristeza, rigidez,

rigorismo e frustração. A vida não começa com a ética, mas com a estética.

Avança não por obrigação, mas graça à força da atração.

Na vida não se segue em frente por decreto. Como na parábola de Jesus, o

ponto de transformação é a descoberta da pérola oculta ou do tesouro no

campo. Só assim experimentaremos que «onde está o nosso tesouro, aí estará

também o nosso coração».

A vida humana não é estática, mas extática. A vida é êxtase, movimento,

desejo de união ao objeto do amor. Consuma-se por uma paixão que germina

de uma beleza capaz de nos iluminar.

Todavia, pertencemos a um tempo e a uma cultura que parecem ter

renunciado à beleza. Para a redescobrir, teremos provavelmente de abraçar

o silêncio e a lentidão dos caminhos menos frequentados.”

(José Tolentino Mendonça)

***

“Tudo é vosso, meu Deus, como Aquele que fez tudo e doou tudo. Peço-vos,

meu Deus, a paz, pois nada mais desejo do que viver em paz. Dai-me, ó meu

Deus, essa paz, tão doce e própria dos vossos filhos, que preencheis de luzes

e que cumulai de delícias. Se Vós me comunicais esta paz tão doce, se Vós

me fizerdes partícipe dessas delícias, a minha alma cheia de alegria e de

devoção não cessará de louvar-vos. Eu e coloco em vossas mãos, meu Deus.”

(Santa Paula Elisabete Cerioli)


Educar no amor e na amizade: por uma cultura da fraternidade